Especialistas questionam eficácia da criminalização

19 de setembro, 2014

(O Globo, 19/09/2014) Levantamento feito pelo GLOBO mostra que, em 20 estados do país, há apenas quatro mulheres presas por terem abortado — três no Paraná e uma em Minas Gerais. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal indicam que duas mulheres foram presas pelo crime nos últimos cinco anos, sem informar, no entanto, quantas permanecem detidas atualmente. Acre, Bahia, Maranhão, Rondônia, Sergipe, São Paulo e Tocantins não responderam à solicitação de dados, feita na semana passada. Nos demais estados, não há detentas.

Para o ginecologista e obstetra Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA), os dados sobre prisões mostram que o artigo 124 do Código Penal, que determina pena de um a três anos de prisão para mulheres que provoquem aborto em si mesmas ou consintam que outra pessoa provoque a interrupção da gravidez, não tem efeito.

— A lei, felizmente, é ineficaz. Quando as pessoas falam em mantê-la não têm noção do que estão fazendo, porque a regra não é aplicada e, além disso, pune a mulher com cadeia, o que é um absurdo — argumenta o médico. — A proibição penaliza, sobretudo, a mulher de baixa renda que faz o procedimento em condições sanitária péssimas, colocando vida e saúde em risco.

POUCOS CASOS NA JUSTIÇA

O professor de Direito Penal da PUC-RJ e conselheiro da OAB-RJ, Breno Melaragno, afirma que o número reduzido de prisões indica que a lei não é colocada em prática.

— Na prática, a criminalização do aborto existe apenas para ficar no papel e marginalizar a prática. Pouquíssimos casos chegam à Justiça. Particularmente, desaprovo a criminalização da conduta — diz Melaragno.

Na mesa de seu gabinete, no 4º Tribunal do Júri do Rio, a juíza Elizabeth Machado Louro tem apenas três processos sobre aborto. Para a magistrada, este número reflete o quanto a sociedade tolera este tipo de crime. Por achar que os argumentos para a descriminalização da interrupção da gravidez não são convincentes, ela defende que a lei em vigor é eficiente ao prever o aborto forçado quando a gestante corre risco de morrer e em casos de estupro e, no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), em anencéfalos (sem cérebro).

— Não se trata de questão religiosa. Acho que a nossa legislação está bem balizada. Mesmo antes da decisão do STF, eu já dava as interrupções de gravidez para os casos de anencéfalos. Não há viabilidade de vida nenhuma num feto anencéfalo e, no estupro, a gestante não é obrigada a conviver no futuro com alguém que foi fruto de um momento de terror. Mas, nos dias de hoje, com o avanço da tecnologia nos métodos contraceptivos, não se justifica o aborto fora destes casos. Não vejo também o argumento de matança de gestantes em clínicas de aborto clandestino como um argumento convincente. A descriminalização do aborto iria transformar o Brasil numa selva — argumenta a juíza.

Na opinião de Elizabeth Louro, a Segurança Pública é falha e não reprime os crimes de aborto. Segundo ela, a polícia sabe perfeitamente onde estão as clínicas, pois, quando querem, fecha as unidades.

— O estado tem que ser mais rigoroso com os alvarás de clínicas ginecológicas e com a repressão ao crime de aborto. E, para piorar, tem gente ligada ao poder público, policiais, que dão segurança e atuam neste ramo. Se a polícia estiver bem estruturada e fizer uma investigação com inteligência e uso de interceptações telefônicas, resolve o problema. Quanto à lei, as penas para gestantes são baixas. Elas quase nunca vão presas. Se fosse sugerir uma mudança na lei atual, iria dizer que quem está por trás da estrutura das clínicas de aborto deve ter a pena aumentada — diz Elizabeth.

NAMORADOS NA JUSTIÇA

Nos casos que julga, a magistrada lembra que, raramente, a gestante está viva. A família só se revolta quando o aborto dá errado, ocasionando a morte da mulher. Quando o namorado não concordou com a decisão da parceira de fazer o aborto, a juíza explica que ele acaba entrando na Justiça contra a gestante.

— Não estou julgando as mulheres que interrompem a gravidez. Estou julgando as políticas públicas e legislativas. Interessa a sociedade fechar os olhos, por exemplo, para o policial que atua nestas clínicas _ conclui a juíza.

Carolina Oliveira Castro, Dandara Tinoco e Vera Araújo

Acesse o PDF: Especialistas questionam eficácia da criminalização (O Globo, 19/09/2014)

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