Revendedoras de cosmético expõem trabalho precário

18 de outubro, 2014

(Folha de S. Paulo, 18/10/2014) “[As revendedoras] não têm direitos trabalhistas, não são empregadas. O argumento é que elas vendem como e quando querem. Juridicamente está claro. Mas o legal nem sempre é justoludmila abíliocientista social

O trabalho é confundido com o consumo. Riscos e custos são dispersos. Precariedade, falta de reconhecimento. Assim vivem as revendedoras de cosméticos, segundo estudo da cientista social Ludmila Abílio, da PUC-Campinas.

Sua tese de doutorado, que virou o livro “Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos”, foca o caso da Natura e mostra o crescimento exponencial desse mercado.

“A perda de limites do trabalho vai permeando nossa vida, nosso tempo livre”, diz Abílio. Eis os principais trechos da entrevista.

Folha – Como a sra. avalia o sistema de vendas diretas?

Ludmila Costhek Abílio – É um fenômeno mundial. Cada país tem sua regulamentação, e as companhias agem dentro da lei. O setor tem crescimento exponencial. No mundo são em torno de 95 milhões de revendedoras. A Natura tem 1,3 milhão. Quando comecei a pesquisa, em 2007, eram 400 mil.

No livro, a sra. mostra que, no Brasil, nos últimos anos, cresceu o contingente de revendedoras entre as mais pobres, as faxineiras. Por quê?

No sistema de venda direta não há vínculo empregatício, horário e local de trabalho. Essa ocupação se mistura com o próprio consumo. Como revendedora da Natura se ganha 30% de desconto, que é a comissão. Há mecanismos que acabam enredando a consumidora em busca de desconto com a revenda. Mais itens são comprados, começa a revenda, sem que isso tenha cara de trabalho.

O aumento de revendedoras tem a ver com o consumo maior nas classes pobres?

O setor de higiene e cosméticos cresceu quase 500% no governo Lula (2003-2010). As pessoas não só estão consumindo mais, mas estão trabalhando mais para ter acesso a esse consumo. A perda de limites do trabalho vai permeando a nossa vida, nosso tempo livre. Há várias formas de trabalho que não estão sendo chamadas de trabalho.

A sra. cita que, em muitos casos, as revendedoras não sabem quantificar seu trabalho nem os ganhos reais. Por quê?

As empresas fazem o discurso do empreendedorismo, com variações. Às vezes a revenda é uma ação que pode se fazer com amigas. Em outras, se fala de metas, foco nos ganhos. Essa atividade é o emblema da flexibilidade. Mulheres que querem consumir a identificam como uma forma de ganhar renda extra.

Muitas começam a consumir e se envolvem no trabalho da venda. Chegam a dizer que têm prejuízo, que não sabem quanto ganham, que têm muitos produtos em casa, que acabam dando de presente. Na outra ponta, estão mulheres que fazem disso sua ocupação principal. Aí é mais chocante a falta de reconhecimento desse trabalho.

A sra. diz no livro que o modelo de negócios da Natura repassa às revendedoras os riscos de inadimplência, os custos de estoque, instalações e trabalho de promoção. É possível quantificar isso?

Isso vai ser sempre indefinível, pois está espraiado pela vida da mulher. [Mas] as mulheres estão amarradas à empresa via algo muito formal, que é o boleto bancário [da compra de produtos]. Se o boleto não for pago, o nome da revendedora fica sujo. A relação que ela faz com os clientes é informal; ela corre o risco de inadimplência.

A dinâmica do mercado de trabalho no Brasil mudou?

Cresceu o trabalho formal, e isso é bom. Mas as formas de intensificação, de precarização, de tensão de tempo estão perpassando também o trabalho formal. Tudo está disperso, difícil de mapear, de reconhecer.

Eleonora de Lucena 

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