A economia e a questão do gênero, por Mukesh Eswaran

21 de outubro, 2014

(Valor Econômico, 21/10/2014) Até recentemente, havia pouca análise sobre o papel das mulheres na economia. Dois séculos atrás, Mary Wollstonecraft publicou sua protofeminista “A Vindication of the Rights of Women” (justificativas em defesa dos direitos da mulher), e em 1869 John Stuart Mill, inspirado por sua esposa Harriet, escreveu “The Subjection of Women” (a sujeição das mulheres) em apoio ao sufrágio feminino. Mas estão surgindo novas evidências sobre as barreiras culturais ao avanço econômico das mulheres que precisam ser resolvidas, como condição para que o mundo algum dia venha a atingir sua meta de igualdade entre os sexos.

As primeiras contribuições ao fator sexo em termos econômicos focaram a divisão do trabalho no seio das famílias. Ideias derivadas da teoria do comércio – como especialização e vantagem comparativa – foram usadas para explicar por que nos países desenvolvidos os homens tendiam a trabalhar fora de casa e mulheres dentro dela.

Essa divisão do trabalho teve implicações importantes para as mulheres. Como propôs Gary Becker, economista que recebeu um prêmio Nobel, em “A Treatise on the Family” (um tratado sobre a família), isso influenciou na escolha de quem receberia educação e desenvolveria capacitação profissional. As mudanças tecnológicas que aliviaram o peso do trabalho doméstico, juntamente com a mudança de atitudes em relação às mulheres no local de trabalho, agora permitem que muito mais mulheres adquiram educação e competências relevantes para seguir uma carreira. Com efeito, nos EUA já há mais mulheres do que homens estudando em universidades.

Por que, então, persistem as diferenças entre os sexos nos resultados econômicos? Economistas identificaram recentemente uma razão fundamental em um fenômeno que persiste, disseminado: o desequilíbrio de autonomia (ou poder de barganha) entre mulheres e homens. Os efeitos imediatos da autonomia (ou ausência dela) são sentidos no seio das famílias – por exemplo, na forma como o orçamento familiar é gasto – e isso é determinado em grande parte pela condição econômica em que provavelmente cada cônjuge se encontrará se o relacionamento for rompido.

O poder de barganha de uma mulher, portanto, será influenciado por fatores como o tipo de emprego que ela tem, seu nível de renda e bens, pela força de seus laços familiares, pelas atitudes sociais em relação ao divórcio, pelas leis que regem a partilha de bens, bem como pela eficácia da legislação antidiscriminação.

Quando aumenta o poder de barganha das mulheres, os benefícios para elas e para a sociedade, podem ser enormes. Além de ser um fim desejável em si mesmo, o poder feminino resulta em menores taxas de natalidade e de mortalidade infantil, em melhor educação para as crianças, em maior participação feminina no mercado de trabalho e na política (e, com isso, em melhor representação dos interesses das mulheres), e para o alívio da pobreza, especialmente nos países em desenvolvimento.

Além disso, elevar o status cultural e econômico das mulheres pode ajudar a resolver o problema que o Amartya Sen, economista ganhador de um Prêmio Nobel, certa vez referiu-se como ao das “mulheres desaparecidas”. São as mulheres que estariam vivas, não fossem os abortos seletivos por sexo e discriminação de gênero na distribuição de alimentos e de atendimento médico.

Hoje, as premissas sobre as diferenças entre os sexos (por exemplo, diferenças inatas em capacitação) tornaram-se intelectualmente insustentáveis, ao passo que análises estatísticas rigorosas identificaram as principais causas das diferenças entre os sexos quanto a resultados econômicos. Mas um fator importante e, talvez, menos explorado, que determina a autonomia das mulheres e o bem-estar econômico não é de caráter econômico.

 

Por exemplo, em estudo recente, Alberto Alesina, Paola Giuliano e Nathan Nunn examinaram os níveis de participação feminina, de imigrantes de primeira e segunda geração, no mercado de trabalho americano, de regiões que historicamente usaram o arado na agricultura. O arado é significativo, por que utilizá-lo exige força da parte superior do corpo, o que limita a adequação das mulheres ao trabalho agrícola. Os autores descobriram que, ainda hoje, as mulheres provenientes de regiões que historicamente usaram o arado são menos propensas a ter um emprego do que as mulheres cujos antepassados não [usavam o implemento].

 

Essa descoberta sugere que em sociedades que empregavam o arado, valores patriarcais circunscreveram a mobilidade feminina e permitiram que os homens – como resultado de sua maior contribuição econômica – reduzissem a autonomia das mulheres. Surpreendentemente, esses valores, que ganharam forma muitos séculos atrás, quando certos atributos físicos podiam ter sido importantes, sobreviveram nas sociedades modernas, nas quais tais atributos tornaram-se praticamente irrelevantes.

 

Com efeito, dado que a maioria dos postos de trabalho nas economias desenvolvidas exigem pouca ou nenhuma força física, os valores culturais que desencorajam as mulheres de trabalhar fora de casa são, com razão, considerados arcaicos, servindo apenas para minar as liberdades econômicas e políticas das mulheres. Portanto, a pesquisa parece apoiar a visão feminista pós-moderna de que as mulheres são constrangidas por noções socialmente construídas e aceitas irrefletidamente.

 

Mas, embora a afirmação de Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, de que “não nascemos, mas tornamo-nos, mulheres” possa ser verdade; biologia e psicologia evolutiva ainda são relevantes. Uma miríade de interações humanas produzem instituições, normas, organizações e práticas que perpetuam uma hierarquia sexual de bem estar. Embora o estudo das relações entre economia e sexo tenha mudado nos últimos anos, o profundo impacto da cultura comprova que ainda temos muito a aprender. (Tradução de Sergio Blum)

 

Mukesh Eswaran é professor de economia na Escola de Economia de Vancouver, na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá. Seu livro mais recente é “Why Gender Matters in Economics”. Copyright: Project Syndicate, 2014.

Acesse o PDF: A economia e a questão do gênero, por Mukesh Eswaran (Valor Econômico, 21/10/2014)

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas