Profissão de bancário passa de pai para filho; há poucas chefes mulheres

03 de novembro, 2014

(Folha de S. Paulo, 03/11/2014) Compensação de cheque, saldo bancário, extrato de clientes e cheque especial são temas que sempre estiveram presentes na mesa de almoço e jantar das famílias Tieghi e Vieira de Matos.

Filhos de bancários e com parte dos tios e irmãos atuando no setor financeiro, Camila Tieghi, 29, e Rafael Vieira de Matos, 34, fazem parte da atual geração da categoria.

São 512 mil empregados diretos de bancos públicos e privados e perto de 1 milhão que atuam em atividades terceirizadas no setor. Na década de 1980, com mais bancos espalhados pelo país, a profissão chegou a reunir 1 milhão de pessoas, enquanto os terceirizados eram 450 mil.

“Desde pequena, eu sabia até o código do cheque especial. Depois da aula, esperava minha mãe na agência da Caixa”, diz a gerente Camila.

Formada em direito e letras, ela prestou concurso em 2006 para o cargo de escriturária no mesmo banco em que a mãe, Sueli Tieghi, 57, fez carreira e se aposentou como gerente. O pai, Antonio Tieghi, 57, trabalhou no Unibanco na área de tecnologia da informação e se aposentou no setor. Hoje, é consultor.

Rafael Vieira de Matos com os pais Maria Joana e Sérgio Mateus que fizeram carreira no Banco do Brasil

Rafael Vieira de Matos com os pais Maria Joana e Sérgio Mateus que fizeram carreira no Banco do Brasil (Foto: Danilo Verpa/ Folhapress)

Além da profissão, mãe e filha têm outra coisa em comum: casaram-se com bancários que conheceram no ambiente de trabalho.

“Na minha época, o saldo do cliente era calculado ali, na mão”, lembra Sueli, que, após se formar em matemática e dar aulas, prestou concurso em 1978 para escriturária e seguiu carreira no banco. Uma das áreas que mais a marcaram na Caixa foi a de habitação. “O contato é direto com o sonho dos clientes, de conquistar a casa própria.”

Hoje Sueli integra uma ONG, formada por funcionários e aposentados da Caixa, que dá aulas de reforço escolar para crianças da região da zona norte de São Paulo.

TRANSFORMAÇÕES

O setor bancário mudou não só em termos de avanços tecnológicos como sistemas mais eficientes e maior automação nas agências, mas em quem opera essa tecnologia.

Na época em que Sueli chegou ao banco, as mulheres se restringiam a poucas funções. Há 20 anos eram cerca de 41%. Neste ano, o percentual chegou a 48,5%, segundo o Ministério do Trabalho.

Mas elas ainda são minoria no alto escalão. Na média dos seis maiores bancos do país, 93,3% dos cargos de direção e comando são ocupados por homens, segundo dados informados ao Banco Central e compilados pelo sindicato da categoria.

“Já avançamos muito, mas ainda há muito o que fazer”, afirma Juvandia Moreira, primeira mulher a comandar o Sindicato dos Bancários de São Paulo e região (CUT).

Além de ampliar a presença feminina no alto escalão, uma das metas é reduzir a diferença entre o contracheque dos homens e das mulheres.

“Os salários delas ainda são 22% menores do que os dos homens, se considerada a média geral da remuneração paga a todos os funcionários. Ao compararmos os dados do último censo da categoria, em 2008, com os deste ano, houve uma diminuição em torno de 1,5% dessa diferença”, diz Juvandia.

Um terço da categoria tem hoje entre 30 e 39 anos. Mas cresce a parcela de funcionários do setor com idade entre 50 e 64 anos. Eram 2,69% em 1994 e 15,38% em 2013 -reflexo, em parte, do envelhecimento da população.

EDUCAÇÃO

A qualificação e a escolaridade também avançam na categoria. Sete em cada dez funcionários dos bancos têm nível superior completo. Há 20 anos, um quarto da categoria tinha diploma da faculdade.

Formado em história pela USP, Rafael Vieira de Matos, optou por trilhar o caminho dos pais, Maria Joana, 59, e Sérgio Mateus, 54, que prestaram concurso e seguiram carreira no Banco do Brasil.

“O banco foi uma porta de entrada para o mercado de trabalho, e fui ficando”, diz Rafael.”Por lá também passaram meus pais [hoje, educadores], tios e irmã.”

Os atrativos para continuar na profissão são os benefícios, a estabilidade e a possibilidade de mais conquistas acertadas com os bancos. Desde 2009, as bancárias têm licença maternidade de seis meses, benefício firmado em convenção coletiva. A legislação prevê 120 dias.

Há quase 20 anos, os bancários recebem Participação nos Lucros e Resultados e, no ano passado, conquistaram vale-cultura para gastar em teatro, cinema, shows, livros e cursos. Pelo acordo deste ano, quem ganha até cinco salários mínimos recebe R$ 50 mensais em vales.

Os salários têm ganhos acima da inflação desde 2004. Para 2014, após uma greve de quase uma semana, os bancários receberam reajuste de 2,02% acima da inflação.

“Há muitas conquistas, mas é preciso resgatar, entre os trabalhadores, o espírito de coletividade, afetado pela política de metas do banco”, diz Matos. O desafio é incluir na próxima negociação do setor uma política que estabeleça, claramente, metas e resultados para os dois lados.

Claudia Rolli

Acesse o PDF: Profissão de bancário passa de pai para filho; há poucas chefes mulheres (Folha de S. Paulo, 03/11/2014)

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