Cláudia Collucci escreve sobre as vítimas da busca incessante pelo “corpo perfeito”

03 de dezembro, 2014

(Folha de S. Paulo, 03/12/2014) Mulheres, não sejam loucas. Hidrogel (ou qualquer outro produto semelhante) na bunda pode matar. Essa advertência deveria entrar automaticamente nos cérebros femininos cada vez que surgir no mercado a falsa promessa de um bumbum dos sonhos de forma fácil, sem malhação.

Leia mais: Hidrogel usado por modelo está irregular desde março (O Estado de S. Paulo, 04/12/2014)

O alerta sobre o perigo do mau uso dessa substância já havia sido feito em outubro passado, quando morreu a ajudante de leilão Maria José Medrado de Souza Brandão, 39, após fazer uma aplicação de hidrogel, para aumentar o tamanho do bumbum. A aplicação da substância tinha sido feita por uma falsa biomédica, em uma clínica estética de Goiânia.

Agora, a vítima da vez é a modelo e apresentadora Andressa Urach, 27, internada na UTI de um hospital em Porto Alegre com quadro de sepse (infecção generalizada). Motivo alegado: 400 ml de líquido preenchedor (hidrogel) em cada coxa, quando a recomendação dos especialistas é de, no máximo, 2 ml —há médicos que defendem que, em condições seguras, é possível usar quantidades maiores. Como é um produto relativamente novo, ninguém sabe ao certo os riscos a longo prazo.

Normalmente, o líquido é usado para preencher rugas ou deformidades faciais, ou seja, áreas muito pequenas. O problema é que a substância (um polímero) não é absorvida totalmente pelo corpo. Uma vez aplicada, ela se espalha e fica ramificada no meio da gordura, de alguns tendões, dos músculos. Retirar todo esse produto depois é quase impossível.

Outro risco é que quando a substância é injetada no corpo, pode levar junto alguns tipos de bactérias que ficam “adormecidas”, esperando uma baixa da imunidade para se proliferar, causando a infecção. Quando isso ocorre, é preciso fazer uma cirurgia para tirar os tecidos necrosados, deixando apenas os vascularizados (onde o sangue ainda está passando). Isso pode resultar, inclusive, em amputações de partes do corpo.

O caso de Andressa parece ter mais um agravante. Ela teria aplicado também o polimetilmetacrilato (PMMA), um gel que não é absorvido pelo corpo. Não se sabe se a interação dessas substâncias possa ter colaborado para o agravamento do quadro. Também não se sabe exatamente qual o tipo de hidrogel que foi aplicado e em que condições. O procedimento teria sido feito há cinco anos e atualmente ela passava por drenagens do material.

No caso de Maria José, a pessoa que aplicou a substância não era uma profissional da área da saúde. Tinha feito apenas um curso de bioplastia estética, com duração de 15 dias e anunciava seus serviços por meio de anúncios na internet. Cobrava até R$ 3.900 pelo procedimento e prometia um “resultado imediato”. Maria José aplicou hidrogel no bumbum, sentiu-se mal ainda durante o procedimento e morreu no dia seguinte de embolia pulmonar.

Os médicos defendem o produto licenciado no mercado. Dizem que, se usado de forma segura e por profissionais habilitados (ou seja, eles mesmos), não há perigo. Pode ser. A questão é que qualquer procedimento invasivo implica riscos. E eles deveriam SEMPRE ser informados, por escrito. Nós próprios carregamos riscos que muitas vezes nem sonhamos ter, por exemplo, predisposição a um tromboembolismo.

A verdade é que essa busca incessante pelo corpo supostamente perfeito não tem limite e não para de fazer vítimas. Uma hora é a lipoaspiração, outra hora é o hidrogel. As que morrem ou as famosas enfermas aparecem na mídia. As anônimas amargam sequelas e arrependimentos.

Acesse o PDF: Cláudia Collucci escreve sobre as vítimas da busca incessante pelo “corpo perfeito” (Folha de S. Paulo, 03/12/2014)

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