O lento caminho das latino-americanas rumo à igualdade

05 de dezembro, 2014

(El País, 05/12/2014) A igualdade de gênero está ganhando força no debate público na América Latina. Quase 23 milhões de mulheres entraram para o mercado de trabalho nos últimos dez anos, conquistaram um maior espaço na sociedade e estão mais protegidas pelas leis. Entretanto, 50% dos empregos delas ainda são precários, 28% das latino-americanas com menos de 20 anos já são mães e a violência machista está incrustada na sociedade. Os avanços, lentos e heterogêneos, tiveram resultados diferentes em cada país e, principalmente, no meio urbano e rural. Falta, sobretudo, criar melhores condições para que exerçam os direitos conquistados.

Essas são as principais conclusões da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, um órgão da ONU), que divulgou em novembro três estudos sobre a igualdade de gênero. Os dados serão debatidos pela ONU ao longo de 2015, por ocasião do vigésimo aniversário da Quarta Conferência Mundial da Mulher, realizada em 1995 em Pequim.

A organização salienta que 22,8 milhões de mulheres entraram no mercado de trabalho da América Latina nos últimos dez anos, graças a uma melhora dos níveis educacionais e do crescimento econômico. São 100 milhões de mulheres trabalhando atualmente na América Latina, mas essa cifra representa apenas 50% das mulheres em idade economicamente ativa, em contraste com 80% dos homens empregados. Metade das mulheres empregadas ocupam postos de trabalho precários. “Não foi alterada a estrutura do mercado de trabalho. A maioria está no setor público ou de serviços, são professoras ou enfermeiras. E 15% ainda permanecem no serviço doméstico”, relata Sonia Montaño, diretora da Divisão de Assuntos de Gênero da CEPAL.

Por causa das insuficientes políticas públicas para melhorar o acesso ao emprego, apenas 38,4% das mulheres mais pobres – com menor escolaridade e com mais obstáculos na hora de delegar responsabilidades domésticas e familiares – têm trabalho. Já entre as mulheres submetidas a menos obrigações familiares e com mais recursos para pagar por cuidados aos seus filhos o nível de ocupação chega a 62%. “Muitas precisam recorrer ao setor informal e trabalhar em más condições para compatibilizar o cuidado com os filhos e a busca por renda”, acrescenta a especialista.

Essa desvantagem econômica pode torná-las mais vulneráveis à violência machista, uma das principais manchas na região, apesar da aprovação de leis de proteção à mulher. Essas políticas se centraram sobretudo no atendimento às vítimas, com a criação de linhas telefônicas e delegacias especializadas para que elas possam denunciar abusos. Mas o principal obstáculo continua sendo a lentidão da Justiça, que não resolve a maioria dos casos. E seriam necessários mais programas de prevenção à violência, segundo a diretora.

Outro problema que as latino-americanas mais pobres enfrentam é a gravidez adolescente. Cerca de 18% de todas as parturientes na região são menores de 20 anos, e 28% das jovens nessa faixa etária já foram mães. Cifras que pararam de melhorar na década de noventa, e são superadas apenas pelas da África Subsaariana. A autonomia da mulher com relação ao próprio corpo ainda enfrenta uma sociedade conservadora e religiosa, que questiona seus direitos sexuais e reprodutivos. Muitas não têm acesso a anticoncepcionais ou preservativos; às vezes nem sequer recebem educação sobre esse tema. Além disso, a maioria dos países permite o aborto apenas em determinados casos; muitos ainda prendem mulheres que se submetem a essa prática.

Montaño considera, por outro lado, que um dos maiores avanços foram as leis de cotas nos sistemas eleitorais, que, entre 2003 e 2013, permitiram um aumento de 19% para 26% na participação feminina nos Poderes Legislativos da região. Nos países que adotaram essas medidas, como Argentina, Costa Rica, Equador, México e Nicarágua, a presença de mulheres no Parlamento está em torno de 40%; em outros, como o Brasil e Panamá, a cifra não chega a 10%. “Mas a perseguição política e as chantagens fazem com que muitas renunciem aos seus cargos. E há algumas armadilhas, como deixar as mulheres no final das listas eleitorais”, acrescenta. Mesmo assim, a CEPAL salienta que há cada vez mais juízas, prefeitas e ministras na região, que elegeu seis presidentas nos últimos anos.

Os dados sobre igualdade de gênero em América Latina

  • 22,8 milhões de mulheres entraram no mercado de trabalho nos últimos 10 anos, segundo a CEPAL.
  • Há 100 milhões de mulheres ocupadas, mas elas representam apenas 50% das latino-americanas em idade economicamente ativa.
  • Os empregos precários são metade do total de empregos femininos.
  • Os empregos precários são metade do total de empregos femininos.
  • O aborto sem restrições está permitido apenas em Cuba, Uruguai, Cidade do México e Porto Rico.
  • Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela são países onde o aborto é permitido em caso de risco para a saúde da mulher, malformação do feto ou estupro.
  • Chile, Honduras, El Salvador, Nicarágua e República Dominicana penalizam o aborto em todas as circunstâncias.
  • Na maioria dos países que possuem uma legislação de cotas ou de paridade, o número de mulheres no Parlamento cresceu: de 3,7% para 41,6% no Equador; de 10,1% para 38,6% na Costa Rica; de 23,2% para 37,4% no México; e de 6,3% para 36,6% na Argentina.

Felipe Betim

Acesse no site de origem: O lento caminho das latino-americanas rumo à igualdade (El País, 05/12/2014)

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