Mulheres na Política: uma realidade ainda distante

10 de outubro, 2014

(Revista Fórum, 10/10/2014) Apesar de as mulheres terem roubado a cena na disputa presidencial, o mesmo não acontece no Legislativo: o Congresso Nacional ainda é 90% masculino. Falta de investimento dos partidos, pouco apoio da família e a sobrecarga de trabalhos domésticos são alguns dos motivos dados pelas brasileiras para se manterem bem longe da política

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Carlota Pereira de Queirós: a primeira mulher eleita deputada federal no Brasil (Foto: Divulgação)

Há exatos 80 anos, foi eleita a primeira brasileira ao cargo de deputada federal. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós estreou na tribuna da Câmara apenas dois anos depois de as mulheres terem conquistado o direito ao voto e à candidatura política no país. No dia 13 de março de 1934, em meio a um plenário com 252 homens, ela fez questão de enfatizar que o momento era um marco na busca de uma maior participação feminina na sociedade. “Quem observar a evolução da mulher na vida, não deixará por certo de compreender esta conquista”, afirmou em seu discurso.

O mandato de Carlota se encerrou em 1937, com o fechamento do Congresso Nacional e o começo do Estado Novo, implementado pelo então presidente Getúlio Vargas. Do início do século XX para o início do século XXI, esse foi um dos fatos que acabaram por dificultar um caminho que parecia promissor. A trajetória política das mulheres encontrou muitos percalços e, hoje, se mostra aquém das expectativas de militantes feministas e de todos aqueles que acreditam que a democracia precisa estar alinhada à igualdade de direitos.

Outubro de 2014. Eleições presidenciais. Pela primeira vez, o posto mais alto do Brasil tem três mulheres na disputa. Na votação do primeiro turno, no último dia 5, as candidatas Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Luciana Genro (PSOL) conseguiram, juntas, 67 milhões dos 104 milhões de votos, o que equivale a um total de 64,5%. Porém, o mesmo sucesso não se repetiu nas campanhas para o Legislativo.

Um levantamento realizado pela União Interparlamentar (UIP) colocou o Brasil na 129ª posição, entre 189 países, ao relacionar o número de cadeiras ocupadas por mulheres na Câmara dos Deputados. É o pior índice da América do Sul e, para ser o pior da América Latina e Caribe, não falta muito. Ficamos atrás apenas do Panamá, Haiti, Belize e do pequeno São Cristóvão e Neves.

No pleito deste ano, a participação delas na Câmara passou de 45 para 51 parlamentares, 9,9% dos 513 eleitos, apenas um ponto percentual a mais do que em 2010. Em 12 estados, as mulheres deputadas não aparecem entre os 10 mais votados. E Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso e Sergipe não elegeram sequer uma representante feminina como federal.

Proporcionalmente, a região Norte foi a que elegeu mais mulheres, seguida do Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul. Entre os partidos, quem mais elegeu suas candidatas foi o PT, com 9 deputadas. No Senado, dos 27 novos parlamentares, somente 5 são do sexo feminino. Com isso, serão 11 senadoras no próximo ano, alcançando 13,6% de um total de 81.

Para o cargo de governador, o cenário é ainda mais desigual. Entre os 13 eleitos no primeiro turno, nenhum é mulher. Outros 14 ainda serão escolhidos no segundo turno, mas há apenas uma candidata na disputa. Em Roraima, Suely Campos (PP) foi chamada a concorrer, de última hora, para substituir o marido Neudo Campos (PP), considerado “ficha suja” pela legislação eleitoral.

Na opinião da diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, a representatividade das mulheres na política vai na contramão do protagonismo demonstrado em diversos campos da vida social, econômica e cultural do país. Para ela, o principal problema está na forma com que os partidos lidam com a questão.

Em 1997, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504) passou a prever a reserva de vagas para a participação feminina nos cargos proporcionais – deputado federal, estadual, distrital e vereador. Em 2009, essa participação passou a ser obrigatória. O novo texto estipula que sejam preenchidas (e não apenas reservadas) as candidaturas “com o mínimo de 30% para cada sexo”.

A lei também prevê 10% do tempo de propaganda eleitoral para cotas por sexo, assim como destina 5% das verbas dos fundos partidários para incentivar ações voltadas à representação feminina na política. Porém, Jacira alerta que, na prática, as regras não são aplicadas como deveriam. Segundo ela, o que se vê são candidaturas de mulheres sendo lançadas só para cumprirem a cota, sem qualquer planejamento ou apoio financeiro mais significativo.

Jacira acredita que as campanhas das mulheres recebem menos atenção do grupo e, por isso, se tornam menos competitivas. “Os partidos buscam mulheres que não têm chances de serem eleitas. Prometem estrutura, material impresso e depois elas descobrem que foram chamadas só para serem figurantes”, denuncia.

A diretora do instituto defende que um passo importante para mudar esse quadro é a implementação da reforma política. Nesse cenário, uma alternativa a ser levada a sério é o voto em lista, um sistema em que o eleitor vota no partido e este decide a ordem dos candidatos que serão eleitos, com alternância entre homens e mulheres. “Essa representação política que está aí é muito absurda. É super importante reorganizar todo o processo eleitoral do país”, afirma.

O que mostram as pesquisas

Uma pesquisa realizada em 2013 pelo Instituto Patrícia Galvão, em parceria com o Ibope, mostrou que os brasileiros estão mais conscientes a respeito da necessidade de ampliação da participação de mulheres nos espaços de poder. O estudo apontou que 78% dos entrevistados defendem a obrigatoriedade de divisão meio a meio das listas partidárias e 73% aprovam punições às legendas que não apresentam paridade entre os sexos em suas candidaturas.

O levantamento mostrou ainda que, para 74% dos entrevistados, só há democracia de fato com a presença de mais mulheres em locais estratégicos de tomadas de decisão. A maioria (76%) também entendeu que a ampliação do acesso delas aos espaços de poder deveria ter garantia legal, tanto no que se refere a cargos nos legislativos das três esferas da federação, quanto dentro dos partidos.

Um estudo divulgado pelo DataSenado, em setembro, segue a mesma linha. Perguntados se preferiam votar em homens ou mulheres, 83% dos entrevistados responderam que esse item não faz diferença. E o fato de termos uma mulher como presidenta da República fortaleceu um contexto favorável à eleição de outras candidatas. Pelo menos é o que afirmam 65% dos brasileiros ouvidos na pesquisa.

Mas se as mulheres correspondem à maioria da população brasileira, são a maior parte do eleitorado e não há restrição do eleitorado quanto ao sexo dos candidatos, por que a representação política não avança para elas? A falta de apoio dos partidos foi o motivo alegado por 41% das mulheres para não se candidatarem. A falta de interesse por política aparece em segundo lugar (23%) e a dificuldade de concorrer com homens, em terceiro (19%).

Falta de apoio da família e as muitas tarefas domésticas foram citadas em 6% e 5% das respostas, respectivamente. De acordo com o professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), Breno Cypriano, esse é um fator que não pode ser ignorado, já que a cultura machista ainda determina o comportamento da sociedade atual.

O especialista ressalta que, embora as mulheres tenham ingressado no mercado de trabalho e nas universidades, existe uma sobrecarga que faz com que, de maneira geral, não tenham tempo de se dedicar a qualquer outra atividade. “Ao assumirem profissionalmente tarefas e ofícios na vida pública, elas, ao mesmo tempo, não perdem as ‘obrigações’ na esfera privada. O cuidado dos filhos, dos idosos e as tarefas domésticas ainda são social e culturalmente vistos, principalmente nesse Brasil patriarcal, como uma obrigação exclusiva das mulheres”, observa.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ) sabe bem o que é isso. Com carreira política iniciada na década de 1980, a parlamentar, reeleita neste ano, ela lembra que, quando engravidou durante o exercício de seu mandato, ainda nem havia previsão de licença-maternidade para parlamentares. “Venci esta etapa e tive minha licença-maternidade com muita luta. Esse caminho é árduo, mas, a cada legislatura, superamos obstáculos”, destaca.

Com um Congresso Nacional formado em 90% por homens, ela afirma que pautas como proteção do trabalho para a mulher e violência doméstica só ganham espaço com muito esforço, embora também haja parceiros do sexo masculino nessa empreitada. Jandira diz ainda que a busca pela igualdade é um desafio cotidiano. “Desde meu primeiro mandato como deputada estadual constituinte, eu soube me impor de igual para igual. Nunca admiti um tratamento diferente”, garante.

(Arte: Karina Colaço)

Maíra Streit

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