Nota de repúdio pede assinaturas para impedir colação de acusado por estupros na FMUSP

02 de abril, 2015

(Agência Patrícia Galvão, 02/04/2015) O Grupo de Trabalho formado pelas mulheres do ITTC, junto a coletivos feministas da USP (Geni, Dandara), além de uma das mulheres que foi estuprada em 2012 na FMUSP,  pessoas que acompanham a CPI do Trote e outras sensíveis ao tema, elaboraram uma Carta Repúdio pelo fim da violência contra a mulher em todos os espaços.

Na carta há um destaque, carregado de simbolismo, para que um estudante acusado formalmente por dois estupros  – existem outros três cujas vítimas não quiseram formalizar queixa, mas que são conhecidas, bem como suas histórias – não cole grau. A cerimônia está prevista para o próximo dia 14 de abril.

A primeira sindicância por denúncia de estupro perpetrada por esse aluno é de fevereiro de 2012 e se arrasta até os dias de hoje. Some-se a isso, que pesa sobre a FMUSP suspeita de 112 casos nos últimos dez anos.

Todos que desejarem subscrever a carta, tanto pessoas físicas quanto organizações que se identifiquem com a causa, devem enviar o nome completo e qualificador (organização ou atividade realizada) para o e-mail  [email protected] Os dados devem ser informados logo na primeira linha da mensagem.

A nota será entregue na diretoria da FMUSP no dia 7 de abril, ao meio-dia, quando haverá também um ato em frente a Faculdade de Medicina da USP, aberto a participação de todos.

Segue o texto da nota: 

#nãocolará

Nota Pública de Repúdio à Violência Sexual nas Instituições de Ensino

Desde o final de 2014, têm ganhado destaque na mídia as denúncias de violência sexual que ocorrem de forma rotineira e silenciosa nas Instituições de ensino. A partir dos relatos dos abusos sexuais e dos trotes humilhantes ocorridos na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que revelou ser um espaço emblemático de violações combinadas com um acobertamento sistemático por parte da instituição, inúmeros outros casos de estupros e abusos sexuais perpetrados por alunos, professor@s e funcionários têm vindo à tona.

É importante enfatizar que a violência sexual nas Instituições de ensino não é um mero reflexo dos crimes sexuais que já ocorrem em outros contextos. No caso da USP, a proporção de atos de violência sexual foi maior do que na cidade de São Paulo nos últimos três anos. Enquanto os ataques sexuais representaram 3,4% do universo dos crimes violentos registrados pela Universidade, este número é de 1,54% na capital (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e Superintendência de Segurança da USP).

Até a instalação da CPI “das Universidades” na Assembleia Legislativa de São Paulo era baixo o número de “casos denunciados oficialmente” em decorrência do próprio esforço institucional para invisibilizar, silenciar e deslegitimar o problema. Além disso, a pouca quantidade de denúncias também se explica: primeiro, por não haver um conhecimento disseminado sobre o que constitui uma violência sexual, que pode, por exemplo, incluir situações com pessoas conhecidas ou mesmo com pessoas com quem se mantém algum tipo de relacionamento; segundo, por uma prática social de culpabilização, humilhação e perseguição da vítima por parte do corpo discente, docente e funcionári@s, que coíbe a denúncia de agressores; e, terceiro, pelo despreparo das instituições em lidar com situações de violência de gênero. A Pesquisa Nacional de Vitimização de 2012 aponta que casos de ofensas sexuais são denunciados em apenas 7,5% dos casos. Em comparação, roubos de carro são denunciados em 90% dos casos. Isso significa que o número de denúncias de violência sexual que existe hoje é cerca de 14 vezes menor do que o número de casos que efetivamente ocorreram.

O descaso das instituições frente às denúncias e a ausência de apoio às vítimas de violência sexual têm significado não apenas a perpetuação das violações de direitos humanos, mas também o maior agravamento da situação das vítimas. Não são poucos os casos em que as vítimas acabam desistindo de frequentar as instituições de ensino e finalizar seus cursos, ao passo que os agressores são contemplados com diplomas. Por essas razões, é urgente que sejam tomadas medidas que deem visibilidade a esses casos, promovam a responsabilização dos agressores, ofereçam apoio às vítimas e pensem em estratégias de prevenção de novos casos.

Sobre a violência sexual

O trabalho de prevenção à violência sexual perpassa a temática da violência de gênero: os casos de estupro ocorrem contra mulheres, homens que de alguma forma contestam estereótipos binários de gênero e sexualidade, homossexuais, mulheres transexuais, homens trans e travestis.

A existência de qualquer tipo de relacionamento afetivo-sexual com alguém não pressupõe obrigatoriedade em manter relações sexuais, sobretudo quando não há expresso consentimento das partes envolvidas.

O uso de substâncias lícitas ou ilícitas, ministradas de forma voluntária ou criminosa, não pode ser alegado para culpabilizar a vítima de abuso sexual e/ou justificar a ação do agressor. Manter relações sexuais com alguém em situação de consciência alterada representa uma relação não consensual e, portanto, um caso de estupro de vulnerável, encontrando tipificação específica no Código Penal.

A violência sexual dentro e fora do campus não é pontual e ocorre sistematicamente como uma violência de gênero. Assim, o trote não é um contexto isolado de violência, mas de exacerbação de violências já existentes no meio social, tanto de gênero, como de cunho racista e homofóbico. Nesse sentido, para além do processo judicial criminal dos agressores, cabe às instituições de ensino adotarem medidas de prevenção e de apoio às vítimas. A abstenção da instituição, ao invés de zelar pela sua imagem, demonstra cumplicidade com as agressões e com os agressores, bem como contribui para a perpetuação da cultura machista de culpabilização das vítimas.

Propostas

Para a devida apuração dos casos de violência sexual nas instituições, é necessário que existam órgãos independentes que recebam as denúncias com imparcialidade, acessibilidade, anonimato, dando orientações, apoio e proteção às vítimas. Deve ser garantida, ainda, assistência médica e psicológica, com acompanhamento especializado.

Os procedimentos de sindicância e suas sanções devem ser claros, o direito de participação das vítimas e respectiv@s representantes legais deve ser assegurado e a tramitação do processo administrativo deve ser célere.Visto que um dos estudantes da FMUSP acusado de estupro responde a processo administrativo desde o início de 2012 e está em vias de colar grau no próximo dia 14 de abril, exigimos uma pronta resposta da USP de modo a impedir a livre prática da medicina por violadores de direitos humanos.

A instituição deve agir de modo não só a responsabilizar os agressores por meio de processos administrativos, mas também inserindo os nomes dos agressores em uma lista nacional que impeça sua matrícula e atuação em qualquer outra instituição pública do país. Ressaltamos, ainda, a importância do desenvolvimento de trabalhos integrados de atenção, orientação e apoio humanizados à vítima e a familiares, por parte das instituições de ensino, no sentido de prevenir novos casos. A mobilização não pode ter como fim a mera criminalização dos agressores, sendo relevante pontuar que o cárcere representa um espaço que potencializa as violências, principalmente as de gênero, não constituindo assim uma instituição de caráter educativo ou restaurativo.

No tocante à prevenção, deve ser promovida a formação dentro das instituições de ensino, incluindo discentes, docentes e funcionári@s, nas dependências das instituições sobre como proceder em caso de violência de gênero, esclarecendo questões de preconceito e discriminação. Além disso, acolher, valorizar e estar atent@ às declarações da vítima sem culpabilizá-la.

Por outro lado, entendemos que segurança refere-se principalmente à estrutura dos campi, nos quais devem ser executadas medidas contínuas de preservação com foco nas pessoas como a implementação de iluminação, poda de arvore etc.

É fundamental criar medidas educativas baseadas no entendimento de que a vítima não deve ter seu comportamento alterado ou reprimido para “evitar” o estupro ou “se proteger” do agressor, vez que é o comportamento do agressor que deve ser alterado.

As entidades e pessoas que assinam a presente nota reiteram seu compromisso de atuar pela erradicação da violência de gênero nas Instituições de Ensino e em todos os espaços.

Convocamos a tod@s para a entrega da presente carta à FMUSP, na Av. Dr. Arnaldo no dia 07 de abril às 12h.

Subscrevem a presente nota,

ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Michael Mary Nolan – Advogada
Raquel da Cruz Lima – Advogada
Anderson Lobo – Advogado
Gabriela Cunha Ferraz – Advogada
Mariana Varela Camara – Estudante de Ciências Sociais
Ricardo Campello – Sociólogo
Ricardo Kobayaski – Professor

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