Formação e preferências políticas são estigmas mais relevantes na contratação de mulheres

19 de julho, 2015

(Folha de S. Paulo, 19/07/2015) Uma visão masculina para a ‘questão de gênero’ na área econômica

A Folha me pede para responder se, como um economista, vejo diferenças entre os gêneros quanto às possibilidades de carreira acadêmica da área.

Não é fácil falar de obstáculos às vidas alheias sem soar pretensioso nem, por outro lado, se deixar levar pela complacência. Contudo, aceitei a tarefa, embora minha escolha de carreira não seja diretamente na academia.

A constatação mais evidente é que diferença existe e em qualquer profissão, seja por imposições da natureza ou de uma cultura ancestralmente arraigada.

A maternidade envolve restrições biológicas mais severas do que a paternidade: a idade para ter filhos, os contratempos da gravidez, os requisitos da amamentação etc.

Além disso, devo reconhecer, por exemplo, que, mesmo após minhas filhas terem deixado de tomar exclusivamente o leite materno, as vezes em que me levanto de madrugada continuam menos numerosas do que as de minha mulher.

No balanço da vida, talvez seja saudável ter um limite à priorização da profissão. Mas não há dúvida de que as carreiras femininas são em certo grau prejudicadas.

A academia é relativamente avançada em expurgar o machismo. No entanto, como a economia é marcada por graves problemas epistemológicos e disputas ideológicas, que se refletem numa especial dificuldade de criar consensos teóricos, o debate é facilmente permeável a estigmatizações.

Meu sentimento é que há estigmas mais relevantes, como o de tipo de formação e as preferências políticas.

Economistas que não defendem as opiniões do dito “mercado” sofrem para ter espaço e mostrar seu valor.

Porém também vejo situações em que mulheres, simplesmente por serem mulheres, têm sutilmente suas análises postas em dúvida ou não levadas com a devida consideração.

É um dos golpes baixos que caracterizam o diálogo turbulento da profissão.

Essas dificuldades podem ser compensadas com ações afirmativas. É desejável que a organização de seminários ou a escolha de fontes pela imprensa, por exemplo, busquem elevar a presença feminina. Talvez o Brasil esteja atrás de outros países nessas iniciativas.

É preciso intensificar essa preocupação nas ações de todos nós.

Afinal, é a prática que permitirá acabar de nos libertar dos grilhões da história e em alguma medida da biologia (congelar embriões para ter filhos mais tarde é uma realidade).

Assim, é possível que menos mulheres precisem criar personagens para a vida profissional. E alguns homens consigam se abster do papel de provedor sem se envergonhar. É duro o ônus da liberdade.

Marcelo Miterhof é economista do BNDES

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