Eventos como Isoporzinho das Sapatão e Velcro atraem novos grupos de meninas que curtem meninas

14 de agosto, 2015

(O Globo, 14/08/2015) Diversão e militância marcam encontros que têm até sanduíches com nomes de musas inspiradoras

Uma amiga da produtora de cinema Érica Studart, 25 anos, ia visitar o Rio no começo do ano e queria dicas de bares e clubes para meninas. Um post no Facebook e mais de 300 comentários depois mostraram que não havia mais lugares assim, depois do fechamento do bar Casa da Lua, em Ipanema. Uma começou a marcar a outra e, quando viram, estavam formando uma rede e organizando o primeiro Isoporzinho das Sapatão, evento feito em praças públicas, ao ar livre, sem cobrança de ingresso, circulando por diversas regiões da cidade, no qual cada uma leva a sua bebida. Ao som de caixas de som sem fios, meninas que gostam de meninas aproveitam pra se conhecer, reconhecer e quebrar o mito de que só os homens gays saem à noite, paqueram e se divertem.

Depois de passar por praças de Niterói, Méier e Praça Tiradentes, o Isoporzinho das Sapatão voltou ao local de origem do primeiro evento, a Praça São Salvador, sexta-feira passada, para comemorar 2.5 mil likes de sua página no Facebook. Marcado para as 19h, o evento vai pegando aos poucos. Dá pra ir vendo as meninas chegando. São dos biotipos e estilos mais diferentes possíveis. Há de tudo: menina de calça apertada, camisa social e cabelo espetado, tipo joãozinho, e tem também saia de paetê e cabelão, negando qualquer estereótipo que se imagine para as lésbicas.

— O mais importante é estarmos no espaço público, dando visibilidade às lésbicas, bebendo cerveja com as amigas e economizando, porque o Rio está muito caro, o que torna o evento ainda mais democrático — explica a artista visual Susana Amaral, 26 anos, uma das organizadoras. — Enxergamos a potência política da festa e no encontro, e não só na luta, na militância. Podermos nos ver e nos reconhecer tem um efeito para as mulheres, sejam elas lésbicas, bi ou trans.

A empolgação é tanta que elas aproveitaram que agosto é o mês da visibilidade lésbica e resolveram criar a festa Velcro, que começou ontem na La Cueva (a próxima edição é em outubro). O local é o mesmo berço da V de Viadão, outra festa que não economiza no nome para dizer a que veio e que completa dois anos amanhã, no Cais da Imperatriz. A V fez escola ao usar uma expressão preconceituosa justamente para combater o preconceito e permitir que cada um seja e se comporte como quiser.

— Acabou a era dos nomes de festas discretos. Nós usamos sapatão mesmo, fazemos piada com caminhões, pochetes térmicas, a ideia é se reapropriar dessas expressões preconceituosas e não termos vergonha dessas palavras. Somos sapatões mesmo — analisa a editora de vídeos Lia Ribeiro, 25. — A mulher sempre foi, historicamente, invisibilizada, e não estava sendo diferente na noite gay, que sempre foi feita mais para os meninos.

A organização ainda criou uma caneca plástica com um logo no qual uma bota de couro é usada como cooler para a cerveja. A ideia é vender as peças para que o Isoporzinho tenha o seu próprio sistema de som, que, hoje, é emprestado por amigos. Os encontros ainda renderam empreendimentos afins, como o Sapolée e o Lesburguers.

— Sempre tivemos vontade de homenagear personagens que a gente sentia pouco representadas. Por isso, sempre damos o nome de alguém que fez ou faz a diferença aos nossos produtos — conta a estudante de Comunicação Renata de Souza, 23 anos, uma das criadores do Lesburger. — O hambúrguer Quebra-Barraco é bem maior que os outros, com mussarela e pão de abóbora. Nossa maionese, sem ovo e temperada com cheiro verde, é a May Angelou, em homenagem à poeta, dançarina e cantora Maya Angelou. E nosso ketchup, de goiaba, é o Pagu.

E a ideia de colocar as lésbicas no espaço público deu certo. Na última sexta, ao redor da bicicleta soundsystem do Passeio Completo — de onde saíam músicas de Azealia Banks, Marina Lima, Sapabonde, Daniela Mercury e Regina Spektor — um jovem hétero abraçava as meninas e vibrava com a seleção musical “sapatônica”, aos gritos de “viva o movimento das sapatão!”. O próximo encontro deve acontecer no fim do mês, no Aterro do Flamengo. Depois, vai ser a vez da Baixada Fluminense

— Tem muita sapatão por lá — garante a poeta Aline Miranda, de 30 anos.

Fabiano Moreira 

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