Mulheres sauditas vão poder votar em dezembro, por Rasheed Abou-Alsamh

04 de setembro, 2015

(O Globo, 04/09/2015) Em certas áreas, há mais participação feminina do que masculina, o que pode indicar uma melhor consciência entre elas

Na Arábia Saudita nós sempre medimos nossos avanços com dois passos para frente e um passo para trás. Para o observador de fora, isso pode parecer chocante e um tanto absurdo. Afinal de contas, mulheres sauditas finalmente vão poder votar nas eleições municipais este ano, no dia 12 de dezembro, e também se candidatar a um dos postos nos conselhos municipais espalhados pelo país. Mas não poderão conduzir um carro para chegar ao recinto de votação porque mulheres ainda são proibidas de dirigir no país. E, antes que botem a culpa no Islã, fiquem sabendo que não há proibição alguma na religião. Essa birra contra mulheres atrás do volante é uma coisa cultural muito específica dos sauditas.

A boa notícia é que dois terços dos lugares nos conselhos vão ser eleitos desta vez, em vez de somente metade. O outro terço vai ser nomeado pelo governo saudita. As eleições municipais foram retomadas há dez anos em 2005, depois de estarem suspensas desde 1963. A ocupação americana no Iraque — juntamente com a pressão da administração do presidente George W. Bush no sentido de dar algum sinal de democratização — levou o governo saudita a voltar a realizar eleições. Os candidatos religiosos se elegeram facilmente, já que usaram a fé do eleitorado para ganhar votos. Os liberais quase não registraram presença nos resultados das urnas. Para mim, isso foi uma lição surpreendente: se deixarem o povo votar, muitas vezes os candidatos mais conservadores vão ganhar.

E é esse pavor de ver ultraconservadores no poder que o governo sempre usou como desculpa para não abrir as portas da democracia. “Nós somos muito mais progressistas do que essas pessoas que vão chegar ao poder pelas urnas”: este foi o mantra que sempre ouvíamos dos que estão no poder. E de certo jeito, no reino, eles estavam certos.

Mas o advento do voto para mulheres foi recebido com satisfação pela maioria das sauditas. Isso, apesar de muitas delas pensarem que lhes restam muitos desafios mais importantes, como a questão da tutela que homens ainda têm sobre todas as mulheres — o que quer dizer que, na vida prática, uma mulher adulta ainda precisa da permissão do pai, marido ou irmão para viajar para fora do país, aceitar um emprego ou abrir uma conta bancaria. É a infantilização das mulheres.

“Eu acho que a mensagem está circulando entre as mulheres, mas não que isso vá aumentar os números de eleitores drasticamente,” disse-me a jornalista saudita Abeer Mishkhas numa entrevista. “Ainda é um movimento elitista, voltado mais para profissionais, mulheres de negócios e ativistas. Mas era de se esperar, já que é a primeira vez que mulheres estão participando. Mesmo assim, alguns relatórios dizem que há mais participação de mulheres em certas áreas do que de homens, o que pode indicar uma melhor consciência entre as mulheres.”

Hatoon al-Fassi, uma acadêmica e ativista saudita da capital, Riad, há quatro anos começou a participar de uma iniciativa chamada Baladi (que quer dizer “minha pátria” em árabe) para treinar mulheres sauditas a serem candidatas nas eleições municipais e também gerenciarem campanhas de candidatas. O grupo dava oficinas de treinamento gratuitamente em todo o país, com uma rede de mulheres experientes. No inicio do mês passado, o Ministério de Assuntos Municipais, que é encarregado das eleições, suspendeu as atividades da Baladi, alegando que o grupo poderia usar as oficinas para fins comerciais ou pessoais. Al-Fassi, que é a coordenadora geral da Baladi, chamou a decisão de “irracional”, explicando para o jornal “Arab News” que o grupo tinha treinado 350 mulheres em 2013 e 2014 em 13 oficinas, tudo de graça.

“O ministério suspendeu nosso trabalho após as primeiras oficinas em Riad, e depois tivemos que cancelar as oficinas em Jidá e Dammam, que tinham mais de 150 mulheres inscritas,” disse-me Al-Fassi numa entrevista. “Eles nos disseram que queriam manter a igualdade e a integridade de todos os candidatos. Por isso, considerava o treinamento que dávamos às candidatas uma discriminação contra aquelas que não tiveram treinamento igual. Mas nossos treinamentos estavam abertos a todos, e de graça,” explicou Al-Fassi.“Eu não acho que a decisão do ministério tenha sido por medo de ganho comercial, mas por medo de as mulheres se organizarem politicamente e também para impedir ativistas de assumirem a liderança onde o ministério não pode estar,” disse Mishkhas. “E, embora o ministério tenha designado a ONG Al Nahda para continuar com os programas de treinamento, o trabalho deles é limitado em termos das áreas cobertas e na sua concentração única em eleitoras, deixando de fora o treinamento que a Baladi dava a gerentes de campanha e candidatas,” acrescentou ela.

Os conselhos municipais estão realmente precisando das preocupações femininas para, dessa forma, se fazerem mais relevantes. O conselho municipal de Jidá, onde eu morava, se dedicou principalmente a construir novas vias e pontes na cidade para desobstruir o engarrafamento que os motoristas enfrentavam. Conseguiram fazer isso, mas houve pouco diálogo entre eles e os eleitores. Com a chegada das mulheres, espero que isso mude.

“A presença de mulheres nos conselhos vai mudar o jeito de eles trabalharem. Elas vão se preocupar mais com a falta de água e a limpeza das ruas,” disse Mishkhas.

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