“Não queremos destruir famílias, apenas ter os mesmos direitos”, declara Viviany Beleboni

17 de outubro, 2015

(Carta Capital, 17/10/2015) A vida da atriz e modelo Viviany Beleboni, que fez performance crucificada na Parada LGBT de SP, é exemplar do sofrimento e da superação das trans

Muito antes de ficar nacionalmente famosa quando apareceu crucificada na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo esse ano, a atriz e modelo Viviany Beleboni, 27 anos,  já vinha trilhando um longo calvário. Quando ainda era apenas um garoto afeminado, em Torres, no interior do Rio Grande do Sul, a hoje travesti sofreu inúmeros bullying verbais, físicos e psicológicos.

“Eu me sentia um ET, não conseguia gostar de jogar futebol ou brincar de carrinho, e todos implicavam comigo. Minha irmã mais velha lia as cartinhas que eu escrevia para os garotos da escola falando que estava apaixonada e depois me batia, me humilhava”, diz Viviany sobre o início das agressões, as primeiras em sua própria casa – o que é comum, conforme mostram as pesquisas sobre agressões homotransfóbicas.

Os garotos esperavam ela sair da escola para a ofenderem. “Vamos bater nele – eu era menino na época -, porque ele é gay”, relembra Vivi sobre os corredores que os garotos formavam para machucá-la. “Uma vez fui da escola até a minha casa, umas vinte quadras, ganhando chutes e eles apostando quem me dava o chute mais forte”.

Com medo da mãe repetir o gesto da irmã e ainda expulsá-la de casa, Vivi preferia silenciar-se. Nunca reclamava, apanhava literalmente calada. Mesmo em um episódio que a marcou muito, quando levou uma paulada dos meninos da sua escola (carrega a cicatriz e um afundamento na cabeça até hoje), ela preferiu o silêncio.

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Viviany mostra foto da época em que fazia shows como cover de Júnior, irmão de Sandy (Foto: Reprodução)

“Eu escondi o ferimento delas, até que uma semana depois a cabeleireira viu e comentou com minha mãe. Fiquei em pânico, e resolveu mentir e contar que tinha caído de uma árvore. Era tanta coisa acontecendo comigo que eu não queria que minha mãe deixasse de gostar de mim, então resolvi inventar essa história”.

Quando rompeu o silêncio e resolveu se assumir (primeiramente como homossexual), depois de muito tempo sendo agredida, o resultado, um clássico no meio trans, foi que a irmã a expulsou de casa.  Por um tempo teve de se prostituir e, por isso, é a favor de abrigos para as travestis e transexuais.  “Acho incrível o programa Transcidadania aqui em São Paulo, porque muitas ficam sem rumo e sem apoio, como aconteceu comigo”.

Já em Porto Alegre, ela começou a se montar para shows de drag e, como tinha amigas trans, começou, por influência, a mudar o corpo. Vivi era modelo masculino, um rapaz bonito que em shows imitava o Júnior, irmão da Sandy, antes de ser expulso de casa. Com a mudança, surgiu uma bela mulher.

Ela afirma, porém, para o escândalo de muitos transgêneros, que preferiria ter ficado homossexual, pois sofreria menos preconceito. “Fui travesti por acidente. Saí de casa aos 17 anos, fui atrás de emprego, mas não consegui nada pois eu detestava ir à escola, era o lugar que era agredida. Acabei então fazendo programa. Ou fazia ou morria de fome. Eu não tinha um abrigo, não tinha onde morar ou estudar”.

Vivi se considera travesti e tem orgulho disso, mas seu caminho foi diferente. “Quando digo que fui travesti por acidente é que primeiro mudei o meu corpo para depois mudar minha mente. E em geral é o contrário, as trans já têm clareza que não gostam do que é masculino no corpo delas, para depois então mudar o corpo”.

A questão da sexualidade fluida na qual o sujeito é que determina quem ele é o que ele gosta, e não o outro, é uma tese atual. Mesmo assim, muitos transgêneros se incomodaram com esta declaração dada de forma meio atrapalhada em um programa de TV, mas ela estava falando por ela e só por ela.

Diferente de quando, depois de todo este calvário, apareceu crucificada na Parada LGBT de São Paulo. Ali a travesti estava representando a quantidade de crimes de ódio, o preconceito que os LGBTs sofrem diariamente e também a sua própria história.

Novamente, a travesti foi “apedrejada”, seja por  fundamentalistas que a ameaçaram de morte, seja por uma parte da comunidade LGBT que agiu de forma moralista e achou que Vivi “exagerou”. Entretanto, alguns religiosos entenderam o recado e até lavaram os seus pés, em um ato simbólico, tempos depois, no Largo do Arouche, em São Paulo. Muitos homossexuais e trans acharam o ato de Vivi o fato político mais importante da Parada.

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Viviany explicou todas as agressões que sofreu no colégio (Foto: Reprodução)

Tempos depois, este ato ainda repercute. A travesti foi agredida, recentemente, na porta de sua casa, por dois homens que a reconheceram na rua. Eles tentaram atacá-la com gilete, mas ela resistiu. Hoje, ainda sente medo de sair de casa, fica desconfiada, mas não deixa de por os pés pra fora de seu apartamento quando precisa.

Enfim, apesar de todas as agressões, mensagem já foi dada e Vivi reitera: “Eu tenho orgulho de ser travesti, a gente tem que ser muito corajosa, verdadeira com você mesma. Quando eu não tive o que comer, não tive assistência psicológica, não tive família. Eu consegui vencer, trabalho em diversas áreas, sou uma vencedora. E a gente não tá aqui pra destruir famílias, também fazemos parte de uma família. Eu não nasci de uma chocadeira, a gente só quer ter os mesmos direitos”.

Vitor Angelo

Acesse no site de origem: “Não queremos destruir famílias, apenas ter os mesmos direitos”, declara Viviany Beleboni (Carta Capital, 17/10/2015)

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