Para as meninas quilombolas a hashtag não chega, por Djamila Ribeiro

27 de outubro, 2015

(Carta Capital, 27/10/2015) Diferentemente da comoção em torno de Valentina, do Masterchef Júnior, o caso das meninas negras abusadas no interior de Goiás foi logo esquecido

Em abril deste ano, foi noticiada a denúncia de trabalho infantil e exploração sexual contra crianças e jovens negras da comunidade quilombola Kalunga, em Cavalcante (GO), cidade localizada na Chapada dos Veadeiros, a 310 km de Brasília.

Os relatos dos abusos, investigados pela Polícia Civil, foram à época transmitidos à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (hoje Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos) pelo presidente da Associação do Quilombo Kalunga de Cavalcante (GO), Vilmar Souza Costa.

O assunto veio à tona numa reportagem da TV Record e denunciava o possível envolvimento de vereadores e ex-vereadores do município em casos de assédio sexual cometidos contra crianças e adolescentes negras.

Segundo informações da Record, o inquérito dessas denúncias surgiu no final de 2014, a partir de apontamento do Ministério Público de Goiás e mostra que Cavalcante registra, em média, cinco inquéritos similares por ano.

Após o caso de Valentina, a menina de 12 anos participante do programa Masterchef Júnior, que foi vítima de comentários criminosos por pedófilos nas redes sociais, me lembrei desse caso das meninas kalungas. Como será que o caso está?

Houve uma grande repercussão à época da denúncia, mas nada parecido com o que ocorreu com Valentina. Com isso, não estou afirmando de modo algum que a violência contra Valentina não deveria ser denunciada e apurada, estou tão somente externando um incômodo por não ter visto grandes sites feministas criarem campanhas de apoio às meninas kalungas ou maior comoção das pessoas.

A realidade dessas meninas é bem diferente da de Valentina. Tratam-se de meninas pobres que desde muito cedo vão trabalhar e ser exploradas em casas de famílias onde trabalhariam em troca de alimentos. Nesses locais, sofreriam os abusos sexuais pelos patrões. Na comunidade onde vivem não há escolas e, ao viverem longe dos pais, vivenciam maior vulnerabilidade.

Meninas negras, por sofrerem machismo e racismo, estão muito mais vulneráveis a esse tipo de abuso. Segundo dados da Unicef na pesquisa Violência Sexual, o perfil das mulheres e meninas exploradas sexualmente aponta para a exclusão social desse grupo.

A maioria é de afrodescendentes, vem de classes populares, tem baixa escolaridade, habita em espaços urbanos periféricos ou em municípios de baixo desenvolvimento socioeconômico. Muitas dessas adolescentes já sofreram inclusive algum tipo de violência (intrafamiliar ou extrafamiliar).

Ainda segundo essa pesquisa, no Centro-Oeste, o estado de Goiás é o que apresenta a situação mais grave – exatamente onde as meninas kalungas vivem.

Toda campanha criada no sentido de denunciar esse tipo violência é válida e necessária, mas é urgente pensarmos a partir de um olhar interseccional para que seja possível contemplar meninas com maior vulnerabilidade, sobretudo negras.

Pesquisei sobre a situação dessas meninas e não encontrei nenhuma informação que falasse sobre o andamento do caso. No mundo delas, onde campanhas com hashtag não as alcançam, quem não vai deixá-las cair no esquecimento?

Acesse no site de origem: Para as meninas quilombolas a hashtag não chega, por Djamila Ribeiro (Carta Capital, 27/10/2015)

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