Estupro na USP: “Estuprador também é o branco que se veste bem e tem dinheiro”

12 de novembro, 2015

(El País, 12/11/2015) “Você é a mulher mais linda desta faculdade”, dizia um dos primeiros bilhetes que um “admirador” anônimo deixou na mochila da estudante de Geografia da USP, Luísa Cruz, no ano passado, dentro da sala de aula. Ela não deu bola. E em pouco tempo, mais um bilhete com o mesmo tom de assédio apareceu. “Passei a não deixar mais a minha mochila dentro da sala de aula durante o intervalo”, conta. “Mas os bilhetes começaram a aparecer na mochila de um amigo meu”. De “elogiosos”, o teor dos bilhetes passou a ser ameaçador. “Você ainda vai ser minha”, apareceu no carro da estudante.

O assédio ocorreu de março a agosto do ano passado, mesmo depois de Luísa fazer um boletim de ocorrência e comunicar todas as instâncias responsáveis da USP, a maior universidade do Brasil. “Nenhuma atitude efetiva foi tomada e as ameaças continuaram”, conta. E culminaram em uma tentativa de estupro, no estacionamento da universidade, em plena luz do dia.

“No dia 8 de agosto eu parei em frente ao prédio da Geografia para encontrar uns colegas. Eram mais ou menos quatro da tarde. Quando vi que não estavam lá, segui até o prédio da Faculdade de Arquitetura para comprar um caderno”, conta. Quando chegou na FAU, Luísa saiu do carro e seguiu até o prédio, mas se lembrou que havia esquecido o celular dentro do carro. “Quando voltei para buscar o celular, fui atacada por um homem, que me segurou pelo pescoço e forçou a minha entrada no carro enquanto dizia ‘eu te avisei’”. Luísa diz que conseguiu ver apenas a mão do criminoso, e por isso sabia que ele era branco. “Ele tentou abrir a minha calça, mas eu consegui acionar a buzina do carro duas vezes com o joelho. Ele bateu a minha cabeça fortemente na porta do passageiro e fugiu, sem que eu pudesse vê-lo”.

A estudante foi prestar queixa na delegacia, mas não passou impune pela atitude machista que muitas autoridades tomam nesse momento. “Enquanto busquei ajuda nos meios jurídicos e acadêmicos já escutei coisas como: ‘ah, mas quando você estava só recebendo os bilhetes, você estava gostando, não? Você estava sendo elogiada…”, diz. “Sugeriram que eu pudesse ter feito algo para receber aquelas ameaças. Me perguntaram: ‘você não fez nada para o seu namorado? Será que ele não pode ter ficado bravo com você, por alguma razão, e ter feito isso?’”.

Como a polícia não abriu investigação e a USP não tomou nenhuma medida efetiva sobre o caso, Luísa resolveu tornar pública a sua história, enviando seus relatos a jornais e publicando nas redes sociais. “Isso fez meu agressor ao menos parar de se manifestar”, diz. Mas não fez o trauma ou a tensão passar. Sem saber quem tentou estuprá-la, foi natural que ela desconfiasse de quem estava à sua volta. “Troquei de carro, de celular, fiz tudo o que podia para despistar meu agressor”.

Luísa conseguiu terminar o semestre com a ajuda dos amigos. “Não ia nem ao banheiro sozinha”. Outras mulheres que já sofreram violações dentro da USP também ajudaram fazendo um rodízio para acompanhá-la até o carro e não deixá-la sozinha. “Assim como o meu caso, existem diversos outros dentro da USP. Conheço um monte de mulheres que sofrem ou já sofreram ameaças, agressões e já foram estupradas lá dentro”. Segundo Luísa, há grupos de ódio às mulheres organizados na universidade. E, em resposta a isso, as mulheres que sofrem com isso também se organizam em grupos de solidariedade e militância. “Me apoiei muito nelas”, conta.

Mais de um ano se passou desde que a estudante recebeu o primeiro bilhete. Mas, no meio do mês passado, ela encontrou um novo bilhete em seu carro, estacionado na universidade: “Enquanto você estiver aqui, estarei”, diziam as letras de forma, quase ilegíveis.

Uma semana depois do bilhete, a conta de e-mail de Luísa foi invadida e ela recebeu, durante a aula, um e-mail da sua própria conta, em tom de ameaça. “A pessoa dizia que sabia como era o meu cotidiano, que não era a mesma pessoa que me agrediu no ano passado, e, principalmente, condenando o meu envolvimento com mulheres que já sofreram agressões dentro da universidade, sugerindo que eu deveria rever as minhas amizades e o tempo gasto ‘acobertando vagabundas’”. As ameaças haviam voltado.

Após uma pesquisa feita por conta própria, Luísa diz ter descoberto que o e-mail foi enviado de um computador do laboratório de informática da sua própria faculdade. Um novo boletim de ocorrência foi feito. E, finalmente, a polícia decidiu abrir as investigações. A estudante prestou depoimento na delegacia na última quarta-feira. No mesmo dia, se reuniu com autoridades da USP para avaliar “as providências a serem tomadas”, segundo nota emitida pela universidade.

A USP ofereceu indicação de apoio psicológico pela primeira vez desde que as ameaças começaram, há mais de um ano, e se comprometeu a ajudar nas investigações. “Me orientaram a não frequentar mais as aulas no período noturno”, conta Luísa. A USP só se pronunciou por meio de nota publicada no site. Procurada, a assessoria de imprensa disse que não era verdade que a universidade havia orientado Luísa sobre não frequentar mais as aulas do noturno, mas afirmou que ninguém comentaria o caso.

Mariana Rossi

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