Redução de agressões contra a mulher passa por mudança cultural, diz juíza do caso Lindemberg

21 de março, 2016

(Repórter Diário, 21/03/2016) Desde 2011 juíza de Direito da Vara do Júri e Execuções Criminais de Santo André, Milena Dias (foto) sente no dia a dia que o problema de agressões contra mulheres ainda está longe de acabar. Cerca de 15% dos processos que passam pelas mãos da magistrada dizem respeito a violência que homens praticam contra as mulheres – muitos dos casos terminam em assassinatos. Formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo, Milena julgou em 2012 o sequestro e assassinato de Eloá Pimentel, ocorrido em 2008. O autor do crime, Lindemberg Alves, foi condenado a 98 anos e 10 meses de prisão. Em 2012 a Justiça de São Paulo reduziu a pena para 39 anos e três meses de reclusão.

RD – Desde quando a senhora atua na área?
Milena Dias – Eu sou juíza desde 1999, agora em março em faço 17 anos de magistratura. Eu entrei na faculdade já decidida a isso. Foi vocação mesmo. Eu entrei já decidida a prestar magistratura.

Sempre atuou em Santo André?
Milena – Você começa como juiz substituto. Hoje sou juíza titular aqui da Vara do Júri, mas você inicia a carreira como juiz substituto e vai passando por comarcas de entrança inicial, de entrança final, é assim. Fui juíza substituída em Santo André também, por coincidência. Mas atuei em comarcas do Litoral e do Interior. Fui juíza em São Caetano durante bastante tempo e aqui em Santo André estou desde 2011 como titular.

RD – Existe desigualdade no Judiciário entre mulheres e homens?
Milena – Eu acho que é mais equilibrado por ser serviço público e os critérios são objetivos. A desigualdade nas funções eu não sinto, acho que não existe, como em todo serviço público. Nos tribunais superiores pode até ter alguma coisa, mas aqui os critérios são objetivos para poder me promover para alguma comarca, é levado em conta tempo de carreira, tudo mais.

RD – A presença feminina hoje é muito maior do que há alguns anos?
Milena – Tem crescido, desde que eu ingressei. Não sei se somos maioria ou não. Acho que é geral isso, em todos os setores, em toda a sociedade.

RD -Existe algum tipo de discriminação contra a mulher?
Milena – Não de dentro da carreira. O preconceito que a gente sofre é o que toda mulher sofre. A pessoa entrar aqui, não acreditar que você é juíza, esperar o homem vir, esse tipo de coisa. Perguntar “cadê o juiz”, ou dizer “você é muito novinha”. Às vezes “elevam o tom”. Um juiz homem na minha idade não teria esse questionamento.

RD – A senhora tem julgado muitos casos de agressão contra a mulher?
Milena – Muitos, infelizmente. Cerca de 15% dos meus processos no júri são de homens que matam ou tentam matar suas mulheres, ex-mulheres, na-moradas. É muito. Eu cansei já de fazer júri de assassinadas pelo marido.

RD – A Lei Maria da Penha ajudou ou é insuficiente para resolver?
Milena – Não é lei, tem de mudar a Educação, a sociedade, os conceitos. A lei não vai resolver. Ela pode ajudar uma mulher que está em situação de risco, mas o risco continua sendo criado. Isso acho que só com a educação, mudança de mentalidade. A sociedade é ainda muito patriarcal.

RD – A punição ainda é branda?
Milena – A Maria da Penha melhorou isso, foram criados mais mecanismos para efetivar a punição. Recentemente, começou a vigorar a Lei do Feminicí-dio, que é matar a mulher em razão de gênero, qualificadora do crime de homicídio. Tenho processos de homens denunciados por feminicídio, mas ainda não julguei nenhum caso.

RD – Como o feminicídio pode impactar no tempo de prisão?
Milena – Muitas alegavam que era crime passional, que era homicídio privilegiado. Com a edição da Lei do Feminicídio, esse tipo de defesa fica mais difícil. Já havia figura do homicídio qualificado, a motivação é sempre torpe, como vingança e inconformismo com o fim do relacionamento. Com a nova lei vai ficar mais difícil o agressor ser absolvido num crime assim.

RD- Quanto tempo um homem que mata a mulher pode ficar preso?
Milena – A pena mínima é de 12 anos e a máxima 30. Mas ele não fica toda pena na cadeia por conta do nosso sistema de execução criminal. Ele não vai cumprir 40% da pena em regime fechado. Normalmente esse homens são [réus] primários, acabam tendo bom comportamento na prisão, enfim…

RD – É importante a existência de delegacias da mulher?
Milena – Ajuda, porque lá ela tem um tratamento diferente do que teria numa delegacia comum. Mas tem muitas falhas. Por exemplo, a Delegacia da Mulher em Santo André não funciona em esquema de plantão, como outros DPs. E esses crimes ocorrem normalmente nos finais de semana, que é o momento em que as pessoas estão mais juntas, o homem vai pro bar, enfim. E aí ela tem de ir para uma delegacia comum.

Tiago Oliveira

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