Incógnitas sobre zika, editorial do jornal Folha de S.Paulo

15 de abril, 2016

(Folha de S.Paulo, 15/04/2016) Pelo menos uma incerteza científica sobre a epidemia de infecções por zika parece agora afastada: os Centros de Controle de Doenças (CDC) dos EUA declararam que esse vírus é, sim, a causa de malformações como a microcefalia em bebês de mães contaminadas.

Na prática, a bem da verdade, não havia dúvida sobre o nexo causal entre a devastação neurológica nos fetos e o zika –ainda bem, porque o poder público não pode aguardar a plena certeza científica para tomar providências.

Na esfera da pesquisa, contudo, as exigências de comprovação falam mais alto. Com uma moléstia de relevância epidemiológica tão recente, a massa de evidências disponíveis se mostrava insuficiente para atestar a causalidade.

Não mais. Sonja Rasmussen e colaboradores dos CDC publicaram na quarta-feira (13) um artigo que pretende pôr um ponto final no assunto. O trabalho saiu no respeitado periódico “New England Journal of Medicine”.

Os autores se valeram de sete critérios elencados por Thomas Shepard em 1994 para estabelecer a conexão entre um possível agente teratogênico (causador de malformações), como o vírus da zika, e os defeitos específicos correlacionados com ele. Concluíram que pelo menos três deles –o bastante– encontram-se satisfeitos.

Além disso, há farta evidência epidemiológica a ligar as duas coisas. A começar pelo Brasil, onde o nexo logo foi percebido pela médica Adriana Melo, que trabalha em Campina Grande (PB). Pego de surpresa, o governo federal demorou a tomar providências óbvias, como tornar obrigatória a notificação de infecções por zika.

A transmissão da doença já ocorre em 22 Estados brasileiros e 42 países (34 deles nas Américas). Os casos confirmados de microcefalia chegaram no Brasil a 1.113, embora só se tenha confirmado a presença do zika em 189 desses bebês (17%).

Apesar da certeza de que o vírus causa microcefalia, muito ainda resta por investigar. Não se sabe ao certo, por exemplo, qual é a proporção de mães infectadas que dão à luz crianças com malformações, nem quais fatores concorrentes (disposição genética, outros vírus etc.) amplificam esse risco.

O afastamento da incerteza quanto ao potencial teratogênico do zika, porém, deveria servir ao menos para imprimir maior senso de urgência. Com o Ministério da Saúde em leilão no impeachment, isso nunca esteve tão distante.

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