Casais homossexuais levam até 2 anos para registrar filho gerado por inseminação

18 de abril, 2016

(Folha de S. Paulo, 18/04/2016) Albertina Cabral e Claudia Crespin têm duas filhas, as gêmeas Milena e Bianca, 5, geradas por fertilização in vitro.

Para conseguir colocar o sobrenome das duas mães nas crianças, precisaram recorrer a três cartórios. Registrar o nome das duas mães nas certidões de nascimento, nem pensar. No papel, só Claudia, que as gestou.

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Mas preocupação maior surgiu depois que Claudia descobriu que tinha câncer, no ano passado. Se ela morresse, que garantia Albertina teria de que não iria perder a guarda das filhas, uma vez que seu nome não consta em lugar nenhum?

Albertina precisou entrar na Justiça com um processo de adoção unilateral, ação mais usada para incluir o nome de padrastos em certidões, por exemplo.

Um ano depois, elas ainda aguardam a publicação da decisão favorável do juiz no “Diário Oficial”. O desgaste não seria necessário se as crianças nascessem hoje.

Resolução publicada pela Corregedoria Nacional de Justiça em março tornou mais simples registrar crianças geradas por reprodução assistida, como fertilização in vitro ou barriga de aluguel. A certidão com o nome dos dois pais ou mães deve ser emitida em cartórios de forma automática, sem a necessidade de autorização judicial.

Além disso, a regulamentação prevê que, em caso de filhos de homossexuais, os documentos tragam apenas o campo “pais” ou “mães”, sem distinção.

SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -08 /04/16 -10 :00h - Crianças de reprodução assistida. Decisão da Corregedoria Nacional de Justiça do último mês tornou mais fácil registrar crianças geradas por técnicas de reprodução assistida, como fertilização in vitro e barriga de aluguel. A agente de viagens Albertina Cabral está no fim do processo judicial. Decidiu registrar as filhas gêmeas quando sua mulher, Claudia Crespin (único nome na certidão das meninas), descobriu que tinha câncer, no ano passado, e preocupou-se com a guarda delas no futuro. As Gêmeas Milena Cabral Crespin,( laço rosa) e Bianca Cabral Crespin. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***COTIDIANO

Albertina (esq.) e Claudia brincam com as filhas gêmeas, geradas por fertilização in vitro (Foto: Karime Xavier – 8.abr.2016/Folhapress)

CUSTOS ALTOS

A instrumentadora Valeska Carvalho, 41, também tem uma filha gerada por inseminação artificial. Anamel, 4, não pode usar o plano de saúde da empresa da mãe porque não há documentos que provem que ela é de fato sua filha. “Quando ela nasceu, sabíamos que dava para fazer. Mas o primeiro advogado queria cobrar R$ 17 mil, um dinheirão, o valor que já havíamos gastado na inseminação”, disse.

Só no fim do ano passado conseguiram entrar com o processo na Justiça.

O trâmite costuma levar até dois anos, conta Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual da OAB e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família.

“É um desgaste muito grande. E nesse período, a criança fica sem o registro, com todos os problemas decorrentes da falta de uma identidade”, afirma Dias.

O caminho que essa resolução percorreu inclui pelo menos três decisões recentes importantes: a do STF de 2011, que reconhece união homoafetiva como entidade familiar e a equipara à união estável; a resolução 175 de 2013 do CNJ, que proíbe que cartórios se recusem a celebrar casamentos de casais do mesmo sexo; e a resolução 2.121 de 2015 do Conselho Federal de Medicina, que regulamenta o uso de técnicas de reprodução assistida por casais homossexuais.

Os Estados de Mato Grosso, Bahia e Pernambuco, além da cidade de Santos, já possuíam normas reguladoras, de acordo com a OAB.

A resolução ainda estabelece que a ascendência biológica (os doadores do material genético) não implica reconhecimento de vínculo de parentesco com os filhos.

As biólogas Raphaela Ferreira, 32, e Camila Jobim, 30, tiveram mais facilidade. Entraram com o processo pela Defensoria Pública antes mesmo de a pequena Isadora, 1, nascer. A ideia era ter tudo pronto até abril do ano passado, para registrar a criança ainda na maternidade com o nome das duas.

A decisão judicial não saiu a tempo. “É muito frustrante não conseguir registrar a própria filha”, diz Raphaela.

Meses depois, em outubro, o final feliz: a certidão de nascimento já trazia os nomes.

DOIS HOMENS

A primeira vez que dois homens apareceram na certidão como pais de uma criança nascida por barriga de aluguel foi em 2012, no Recife.

“Procurei um juiz, falei que iríamos ter uma filha e que queria registrar com nossos nomes. Ele se espantou, disse que era muito novo, tinha que pesquisar o assunto para não se arriscar a errar”, conta o enfermeiro Mailton Alves Albuquerque, 39.

Nasceu Maria Teresa, hoje com quatro anos, que ainda na maternidade levou o nome dos dois pais.

Em 2014, outra conquista: quando nasceu Theo, o segundo filho do casal, Mailton, que é funcionário público da Prefeitura do Recife, tirou 180 dias de licença paternidade. “A gente teve muita sorte e ousadia”, resume ele.

Thiago Amâncio

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