A sociedade precisa entender que as mulheres grávidas na epidemia de zika vivem uma situação de tortura

23 de abril, 2016

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 23/04/2016) No último painel do 9º Seminário Nacional A Mulher e a Mídia, a antropóloga Debora Diniz, pesquisadora e professora da UnB, aproveitou o momento para dialogar sobre as distorções no debate que vem sendo feito sobre direitos sexuais e reprodutivos frente à epidemia do zika vírus. Destacando que “a epidemia tem um tempo diferente da política”, Debora ressaltou que defender a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos “não é falar em eugenia. O que não temos nenhuma dúvida é que o estado de incerteza em que vivemos traz uma situação de tortura para as mulheres”.

Leia mais: Grávidas em tempos de zika vivem ‘sob tortura’ (Folha de S.Paulo, 26/04/2016)

Debora Diniz, que é também coordenadora da Anis – Instituto de Bioética, apresentou no painel o conceito geral da ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que vem sendo preparada em conjunto com a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) para ser apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Segundo Debora, a ação “não coloca um novo permissivo de licitude à interrupção da gestação, trabalhando com o conceito de ‘estado de necessidade’, previsto no Código Penal, diante do sofrimento imposto às mulheres pela epidemia”, ressaltou.

A proposta visa assegurar a universalização do benefício de prestação continuada a todas as mulheres notificadas como em risco para a síndrome apenas com laudo médico, sem exigência de perícia do INSS; o direito à interrupção da gestação enquanto durar a epidemia, “não se discutindo malformações ou sintomatologia, mas o estado de sofrimento em que essas mulheres estão vivendo”; e a inclusão dos métodos contraceptivos de longa duração e distribuição de repelentes durante o pré-natal, explica. “O litígio é o caminho legítimo quando direitos individuais são violados”, disse Debora.

“A política brasileira de aborto é uma quimera. A trajetória brasileira é da instituição robusta do caráter antidemocrático e autoritário das forças contrárias à autonomia reprodutiva feminina”, enfatizou Sonia Corrêa, pesquisadora associada da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) e co-coordenadora do Observatório da Sexualidade.

Estratégias de comunicação

A diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, apontou a importância de reforçar redes de mulheres e feministas para assegurar direitos. E que é fundamental no debate sobre as estratégias de comunicação frente à epidemia em relação aos direitos das mulheres pensar que “cada uma, em seu lugar de expertise, precisa trabalhar comunicacionalmente para que as mulheres estejam no centro do debate”.

Jacira também defendeu a formulação de “estratégias combinadas de atuação política, especialmente a das manifestações performáticas para ganhar mentes e corações, como fazíamos na década de 1980 e abandonamos; aprimorar ao máximo a capacidade de transmitir informações a qualquer interlocutor ou público; dialogar com os jornalistas dos principais veículos impressos de todo o país, tendo em vista que as informações divulgadas por estes ainda são reproduzidas por emissoras de rádio, TV e outros veículos noticiosos; e realizar reuniões com associações médicas e ações de pressão sobre governos municipais, estaduais e federal, retomando articulações unitárias para construir e dar visibilidade a manifestações nesse sentido, especialmente neste ano eleitoral”. A ideia é pressionar as candidaturas a apresentar propostas de ações emergenciais para dar resposta aos problemas de saneamento, coleta de lixo e distribuição de água de suas cidades.

Outro elemento apontado como fundamental por Jacira Melo foi a necessidade de construir uma aliança com profissionais de saúde em defesa de que ter políticas para assegurar os direitos das mulheres significa também garantir que eles tenham as necessárias condições de exercício profissional.

A representante da Fundação Ford, Nilcéa Freire, concordou com Jacira e resgatou a história do Seminário A Mulher e a Mídia, projetado inicialmente como uma estratégia de diálogo com jornalistas para potencializar a cobertura e repercussão da primeira conferência de políticas para as mulheres.

Neste momento de crise política, o feminismo está vivo nas vozes das jovens e negras

Nilcéa ainda prosseguiu exigindo respeito “às lutas e conquistas do feminismo, à dor das mulheres quando têm um filho assassinado ou quando são violentadas ou impedidas de decidir sobre o que fazer com uma gravidez, um sofrimento inaceitável”. E exaltou “as jovens em todas as praças e ruas que estão retomando e fazendo um feminismo alegre, solto e ousado que vai à rua e diz um palavrão alto e sonoro para o Cunha. Elas dizem em público, e dirão quando o momento vier, que para se eleger neste país tem que considerar as mulheres, seus corpos e o sofrimento do qual Debora falou-nos”.

Durante a discussão, por diversas vezes participantes do evento ressaltaram a necessidade de enfatizar sempre, em todas as ações, estratégias e composição de mesas e espaços de debate, o peso estruturante do racismo na sociedade brasileira, e como as discriminações de raça e gênero se articulam com as desigualdades de classe, potencializando violações ainda mais graves dos direitos das mulheres negras e trans no cenário de injustiça social estrutural do país.

Clique aqui para assistir ao vídeo deste debate e dos outros três painéis do Seminário Midia, Zika e os Direitos das Mulheres

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