Em cinco anos, 96 mulheres foram assassinadas por homens na capital federal

02 de maio, 2016

(Correio Braziliense, 02/05/2016) No segundo dia da série de reportagens “Quando não mata, fere”, a dor de quem fica e a difícil tarefa de pôr um fim a cruéis estatísticas

Elas fariam aniversário no próximo mês. Ana Grasiella Oliveira Montes completaria 23 anos; e Juliana Lucas de Souza, 32. Uma, em 2 de maio; a outra, dia 10. Duas jovens, ambas de cabelos negros e cacheados, filhos pequenos para criar e uma vida promissora pela frente. As coincidências felizes param por aí. As jovens sofriam agressões e ameaças dos maridos. Viram a ideia de felicidade ser traída por algo bem mais concreto: o peso da mão dos companheiros, um símbolo do machismo arraigado na sociedade. Viveram dia a dia o avesso do amor, enquanto ficavam mais distantes da família. Por fim, a derradeira promessa dos maridos foi cumprida. Juliana foi assassinada em 4 de dezembro de 2011. Grasiella, dois meses depois. O sofrimento e o sentimento de culpa de quem fica são incessantes.

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Grasiella era romântica, sensível, gostava de ler, especialmente, poemas. Sonhava em ser professora de inglês. Era chegada a um abraço apertado e o choro sempre vinha com facilidade, em momentos de emoção. O apego cultivado pela família talvez tenha sido o motivo que leva a irmã de Grasiella a desconfiar que ela lhe esperou para dar o último suspiro. Foi Daniela Oliveira da Silva, 36 anos, que a encontrou, em casa. O laudo da perícia não apontou exatamente a hora da morte, mas deixa claro que quando ela foi largada por seu algoz não estava morta, como ele imaginava. Agonizou por quase 48 horas.

Era 4 de fevereiro de 2012. A jovem tinha ido trabalhar. Avisou ao marido que se atrasaria. Ele foi até o trabalho dela conferir. Não a encontrou. “Ele ficava nervoso dentro de casa, tinha jeito de psicopata. Por isso, ela já vinha sendo vítima de agressão, mas a gente não sabia. Toda vez que pude, tentei alertá-la, mas a gente nunca acredita que isso pode acontecer, então ela relutou, pois já estava doente emocionalmente”, lembra a irmã.

Horas de agonia

Grasiella chegou em casa por volta das 21h. Pouco antes, falou com Daniela ao telefone. A irmã pediu que ela tomasse cuidado com o marido, que já despertava o medo da família pelo comportamento diferente e agressivo dos últimos tempos. “Ela respondeu: ‘Deixa que eu me entendo com ele’. Antes de entrar em casa, alertou a vizinha, pedindo que ela fosse lá caso ouvisse algo estranho”, conta Daniela. O casal se desentendeu. O marido tinha ciúmes e recusava uma possível separação, sugerida por Grasiella. Mesmo na frente do filho de 2 anos, ele não se intimidou. Enfiou um pano na boca de Grasiella até a garganta e a esganou praticamente até a morte.

Daniela lembra-se da cena como se fosse hoje e não segura as lágrimas. Sente por não ter ido à casa da irmã antes e, talvez, tê-la salvado da tragédia. “Ele fugiu e deixou o filho deles com minha mãe. Disse que iam viajar para Pirenópolis, mas eu sabia que não tinham condições para isso. Havia algo estranho. Eu poderia ter ido lá antes, me sinto tão culpada por isso. Dois dias depois, o assassino ligou para o pai, dizendo que o corpo estava dentro de casa. Ela deu o último suspiro quando eu cheguei. Parecia que estava me esperando”, recorda. Arismar Brito Rodrigues, 35 anos, assassino confesso da mulher, está preso. Foi condenado por homicídio duplamente qualificado, a 22 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Camila Costa

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