Após agressões, mulheres tentam viver a vida, mas sem se livrar dos traumas

01 de maio, 2016

(Correio Braziliense, 01/05/2016) Conheça a história de Maria, que foi brutalmente agredida pelo marido, que queria matá-la

Se a vizinha não estivesse no banheiro do apartamento ao lado, se o síndico não tivesse esmurrado a porta, se a mãe não tivesse atendido o telefone, se o irmão não tivesse arrombado o apartamento, se o hospital fosse mais longe, se a faca não fosse lisa… Foram circunstâncias assim que levaram Maria (nome fictício) à vida. Uns chamam sorte; outros, milagre. Ninguém esperaria resultado diferente que não a morte. Nem ela própria, segundo relatou certa vez. Não soube nunca de onde veio a força. Mas lembrou-se de ter ouvido um sopro, a voz de Deus: “Arraste-se até o banheiro”.

Ele tinha ido à cozinha pegar a segunda panela de água quente, parte do arsenal que preparou para não só matar a mulher, mas deixá-la desfigurada, irreconhecível. Seriam poucos instantes de trégua, depois de uma hora de desespero. Os pés e as mãos estavam amarrados com fios de eletrodomésticos. Os olhos perfurados, um deles sete vezes; o outro, nove. Pulmões e costas esfaqueados. Rosto e braço queimados. Ainda assim, ela se arrastou até o banheiro, ficou de pé, trancou a porta, chegou ao box, gritou pelo basculante um pedido de socorro, ditou os números de telefone da família e disse que o marido estava tentando matá-la. Depois disso, desmaiou.

O marido voltou para terminar o que havia começado, mas não conseguiu arrombar a porta do banheiro. O síndico chamou a polícia, ele fugiu. Maria foi encontrada pelo irmão e pela polícia. Deitada no box, amarrada, queimada, esfaqueada 22 vezes. De lá para cá, foram sete anos de privações, provações, tristezas, traumas, decepção com a Justiça. Nada disso deixou menor o sentimento de alegria e gratidão por estar viva. Quatro meses hospitalizada, dois anos de tratamentos médicos e psiquiátricos. A mãe, que teve uma parada cardíaca ao vê-la no hospital, tornou-se cardiopata. Viveria os próximos anos deixando tudo o que fazia para cuidar da filha 24 horas por dia. Por muitos e muitos dias, estaria com ela na hora do banho. Nenhum lugar era seguro. Nem o banheiro, nem a casa, nem a rua, nem a cidade, nem o mundo.

Camila Costa

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