“O Congresso é misógino e machista”, diz representante e SC no Conselho Nacional de Saúde

06 de junho, 2016

(Notícias do Dia, 06/06/2016) Enfermeira Carmen Lucia Luiz fala sobre como combater a cultura do estupro no país

Integrante da equipe que atuou na implantação do protocolo de atendimento às vítimas de violência em Florianópolis, que virou referência nacional, a enfermeira Carmen Lucia Luiz afirma que a desconstrução do que chama de cultura do estupro deve ser feita “desde a mais tenra idade”. Ela destaca que a sociedade, historicamente, reforça “diferenças que desvalorizam a mulher e hipervalorizam os homens”. Nesta entrevista, a integrante do Conselho Nacional de Saúde – órgão que opina sobre as mais variadas políticas públicas do país –, reflete sobre a repercussão do estupro coletivo praticado contra uma jovem de 16 anos no Rio e o machismo no Brasil.

Quais as principais reflexões que podemos fazer sobre o estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro e a repercussão sobre o crime?
O estupro é bastante comum. Muitas mulheres são violentadas, o número é extremante alto. O mapa da violência mostra isso: agressões físicas e sexuais. Esse caso foi emblemático porque foram muitos homens, mas se tirarmos do Rio e levarmos a violência para Santa Catarina vamos perceber que é o quinto Estado com mais mortes de mulheres. E que dos mais de 5.000 municípios brasileiros, Lages é o 170 do país em assassinato de mulheres. Para as mulheres, esses é o maior medo. O homem, quando sai à noite sozinho, tem o medo de ser roubado. Já a mulher tem medo de ser violentada. Nesse caso do Rio de Janeiro, foram pessoas conhecidas. Um deles era, inclusive, das relações de confiança dela. E isso é o mais comum. Estudos dizem que as mulheres são violentadas principalmente dentro das suas casas. Os homens foram criados nessa cultura do estupro, que diminui a mulher, que objetifica a mulher. Você compra o carro, e a mulher vem de brinde. Três garrafas de cerveja e a mulher de brinde. E penso que isso tende a piorar com a retirada do debate de gênero nas escolas.

E como combater a cultura machista e diminuir a culpabilização das vítimas?
O debate de gênero nas escolas é fundamental para que, desde pequenas, as crianças se deem conta que as mulheres não são menos. Que isso é criação da sociedade, um mito que devemos derrubar. Isso persistirá enquanto existir um jeito de ser mulher e um jeito diferente de ser homem. Porque, na realidade, eles são iguais. A única diferença é que ela fica grávida. Enquanto ficarmos construindo diferenças que desvalorizam a mulher e hipervalorizam os homens a gente não vai mudar.

Em que situações do cotidiano se percebe a cultura do estupro e o machismo?
Na rua isso é mais comum. A mulher passa e o homem dá uma cantada, às vezes com palavras chulas. O desejo sexual faz parte da vida humana. Mas o fato de desejar não significa que você pode ter. É ensinado para os meninos, desde a mais tenra idade, que ele tem que transar com a mulher. Por isso surge essa conversa de que a mulher quer transar com qualquer um quando usa uma saia curta. A grande diferença é o que as mulheres podem, e o que as mulheres não podem. Quando um homem vai a um bar com 10 mulheres, ou ele é pegador ou cuidador. Se a mulher faz a mesma coisa, é vagabunda. O machismo e a cultura do estupro tem que ser desconstruído desde a mais tenra idade. E agora isso não pode ser mais discutido na escola.

As mulheres também são machistas?
Elas não são esquizofrênicas, vivem a realidade da sociedade em que vivem. Às vezes elas introjetam isso. Muitas vezes, por exemplo, não usa a roupa curta porque a sociedade diz que o homem vai agarrá­-la em função disso. E cria as filhas guardadas em casa e os filhos homens na rua. Tanto as mulheres quanto os homens podem ser machistas, a diferença é que no homem é legitimado socialmente. Quanto vemos assassinatos de mulheres pelos seus companheiros e homens pelas suas companheiras. Teve uma pesquisa que em alguns Estados até 80% as mulheres eram assassinadas pelos companheiros. E o contrário é 4%. Quando um homem bate numa mulher, as pessoas perguntam “o que ela fez?”. Quando acontece o contrário, o comentário é “oh, que louca”. As mulheres foram ensinadas para serem recatadas.

Caminhamos para uma sociedade mais justa nesse aspecto, ou as novas gerações não vislumbram uma mudança de conceitos? A senhora é otimista?
Não. Por que não se permite esse debate às novas gerações. O nosso Congresso Nacional é conservador, sexista, machista e misógino.

O poder público, de modo geral, tem falhado no atendimento às vítimas. Como funciona em Florianópolis?
A Capital catarinense tem um protocolo de atenção às vítimas de violência. Em 1999 o Ministério da Saúde criou uma norma técnica dizendo como é que a saúde deveria atender as vítimas de abuso sexual. Porque elas podem contrair doenças graves e engravidar do violentador. Temos três portas de entrada para esse atendimento: o Hospital Infantil, que atende a crianças e adolescentes; a Maternidade Carmela Dutra, que tende mulheres maiores de 15 anos; e o HU (Hospital Universitário), que atende a todo mundo. O protocolo prevê que, em caso de violência sexual, quanto mais rápido a mulher receber a pílula do seguinte, menor é a possibilidade de engravidar. É um protocolo muito bom, o desenho é bonito. Hoje no Congresso tramita um projeto que diz que antes desse procedimento a mulher precisam, necessariamente, ir a uma delegacia de polícia e fazer um boletim de ocorrência. E os fundamentalistas religiosos estão querendo proibir, por intermédio de outro projeto, a pílula do dia seguinte, dizendo que é abortiva. O que não é verdade.

Fábio Gadotti

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