Legítima defesa é usada para justificar agressão a mulher, dizem especialistas

06 de julho, 2016

(Folha de S.Paulo, 06/07/2016) Alegar que foi provocado pela vítima e que agiu em legítima defesa são as justificativas mais utilizadas em processos criminais por homens acusados de agressão a mulheres, segundo profissionais que atuam no enfrentamento à violência doméstica.

A discussão sobre as explicações dadas por homens para o uso de força física contra mulheres veio à tona nesta semana depois que o empresário Lírio Albino Parisotto, 62, acusado de bater na atriz Luiza Brunet, 54, sua ex-mulher, publicou nas redes sociais o comentário de um amigo questionando se o empresário poderia apanhar da ex sem poder se defender.

Lírio afirmou no domingo (3), no Instagram, ter sido agredido pela ex-modelo em 2015, num barco, e que precisou ir ao hospital para receber dez pontos num ferimento. Ele não especificou onde ocorreu o episódio nem em qual parte do corpo foi ferido.

Em nota, Luiza, que acusa formalmente o ex-companheiro de agressão em maio, nos EUA, tendo divulgado fotos das lesões, respondeu que as afirmações dele eram levianas e o acusou de distorcer fatos.

O comentário usado por Lírio, de um amigo identificado apenas com o nome de Paolo, afirma: “Se fala tanto de violência contra a mulher. E a violência da mulher contra o homem? Nunca vou esquecer com que raiva e violência a Luiza foi em cima de você no barco… E você tinha que ficar ali apanhando ou tem direito a se defender?”.

Para Aparecida Gonçalves, ex-secretária, de 2006 a 2016, de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher do governo federal, declarar legítima defesa tem sido estratégia comum, segundo delegados, promotores e juízes que trabalham com o tema.

“Eles [agressores] dizem: ou ela os agrediu antes ou falavam demais, tudo para justificar a violência. Na maioria das vezes, isso é irreal.”

Se a agressão a Lírio realmente ocorreu, ele deveria ter denunciado a companheira, de acordo com Aparecida.

“Eu não acredito que seja verdade [que Luiza agrediu o companheiro]. A primeira grande solução é ele [Lírio] se afastar, romper a relação e pronto: encerra-se a situação, ainda mais para quem tem o nível de cultura e de informação como eles têm”, afirma.

Para ela, mesmo que a atriz o tenha agredido, Lírio “não saiu com quatro costelas quebradas e não teve que fugir do país [Luiza afirmou que, após receber socos e chutes, trancou-se no quarto do hotel onde estava, e que, no dia seguinte, tomou um voo para o Brasil]”. “Se existe violência da mulher contra o homem, e sabemos que existe, porque somos humanos, quero saber quantos homens estatisticamente hoje sofrem violência das mulheres. Não chega a 0,5% da população masculina. Então, não se compara.”

‘ATAQUE NÃO É DEFESA’

A promotora de Justiça Valéria Scarance diz que as mulheres estão numa posição de “desigualdade real em relação aos homens”. “No nosso país, quem morre por agressão são as mulheres. Por isso, existe uma lei que confere uma proteção integral a elas”, afirma a promotora, autora de um livro sobre a Lei Maria da Penha.

Os casos de homens que sofrem violência de mulheres são raros, diz. “E quando essa violência acontece, normalmente não é grave. Não é uma violência que gera uma sequela física nem que leva à morte.”

Para ela, pelo aspecto legal, a legítima defesa pressupõe o uso moderado e proporcional dos meios para se defender. “Pela nossa lei, o ataque não é defesa. Porque, na legítima defesa, a partir do momento que cessa o ataque, cessa a defesa”, diz.

O fato de quem agrediu primeiro também não torna aceitável um ato de violência, de acordo com Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão. “Ela [Luiza] pode ser nervosa, descontrolada, ciumenta, tudo. Mas nada justifica aquilo que a gente viu naquela foto e no depoimento dela. São fatos inegáveis.”

Para explicar as agressões, homens também costumam afirmar que foram provocados, que estavam nervosos com problemas pessoais, que beberam e que não conseguiram se segurar, afirma Marisa. Mas, para ela, o agressor não desconta sua raiva no colega de trabalho, no chefe ou no motorista de ônibus. “Ele vai chegar em casa e bater na mulher ou eventualmente nos filhos, porque é lá que ele se sente a autoridade. Na rua ele não pode fazer isso. Se ele está descontrolado, ele se controla até chegar em casa.”

A noção, naturalizada em muitos homens e na nossa cultura, diz ela, é a de que a mulher “vale menos” e “tem que obedecer”. “Se não obedece, ele vai agredir para disciplinar”, afirma.

Estêvão Bertoni

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