A pornografia como professora e a distância da realidade

20 de julho, 2016

(Brasil Post, 20/07/2016) Éramos já poucos ao redor de uma mesa de bar, cercados de copos vazios, quando um amigo perguntou: “Afinal, mulher gosta mesmo de pau grande?”. Eu e uma amiga achamos graça da pergunta e tivemos a mesma reação: “Não. Homem é que tem essa fixação. De onde vocês tiram isso, afinal?”.

Isso me lembrou uma conversa com outra amiga que, gargalhando, me contava de um moço que ela tinha conhecido no Tinder. Quando os dois estavam aos beijos, ele começou a sussurrar pornografias no ouvido dela. Ela está longe de ser uma moça pudica, mas aquilo não agradou na hora. Pediu para ele parar. Ele continuou. Ela, irritada, perguntou se ele queria transar com ela ou ser locutor de filme pornô. Pagou a conta e foi embora.

De onde, afinal, vinham essas representações masculinas e heterossexuais sobre osexo e sobre como eles acham que as mulheres percebem o prazer? Repassei, mentalmente, a conversa com minha amiga. E comecei a achar que lá estava a resposta: nos filmes pornôs.

Há um intenso debate no feminismo sobre a pornografia. Muitas mulheresargumentam que os filmes pornográficos banalizam a violência contra as mulheres. “Objetificam” o corpo feminino. “Exotizam” mulheres e homens negros. E transformam o sexo entre lésbicas em uma performance feita para agradar homens heterossexuais. Outras, que há uma dose de moralismo nesse posicionamento.

Recentemente, a Revista Time dedicou ao tema da pornografia sua matéria de capa. O foco é a discussão acerca dos efeitos do pornô digital sobre uma geração que cresceu com ele. Cientificamente, investiga-se a relação entre consumo de pornografia e ocorrência de disfunção erétil, o “vício em pornografia“.

Olhando essa quantidade de referências e abordagens sobre o tema, eu me senti pressionada a me posicionar. Condenar ou absolver a pornografia não me parecia correto. Afinal, não é a pornografia, em si, que é boa ou ruim. Mas a representação do sexo que ela faz. Como não conhecia a ré, conferi a ela o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Conversei com uma amiga e pedi a senha dela para ver algum filme pornô na internet. Ela me respondeu, um pouco surpresa com a pergunta, que os canais mais assistidos (como o PornHub ou o Redtube), não eram pagos e não pediam cadastro. Um pouco constrangida, percebi a medida da minha ignorância no mundo da pornografia digital.

Se não tod@s, quase tod@s nós temos uma memória afetiva de infância com a pornografia. Afinal, adultos só falam com crianças e adolescentes sobre sexo (quando falam) para proibir ou para explicar a importância de usar camisinha. Mas quem explica para a gente como esse complexo mecanismo de inúmeras possibilidades funciona? A pornografia!

Lembro que quando eu era criança fui à casa de uma amiga e achamos os filmes pornôs do pai dela escondidos. Em um deles, uma moça transava com um cavalo. Achamos nojento.

Muitos anos passados, lá estava eu, frente a frente com ela, em sua versão digital. Não me surpreendeu encontrar todas as representações que as feministas criticam. A “exotização” do sexo “inter-racial”, o “lesbian-sex vídeos” feito sob medida para o prazer masculino heterossexual, homens muito velhos com garotas colegiais… Na lista de most viewed, a fixação com “as novinhas”. Mas o combate à pornografia infantil gerou uma situação curiosa, em que é possível encontrar filmes que as mulheres, em suas poucas falas, dizem, com voz infantil, que são maiores de 18 anos, apesar de usarem vestido rosa, trancinhas e seduzirem – ou serem seduzidas – pelo pai da amiguinha de escola.

Descobri, também, o mondo bizarro do pornô, e que ele ia muito além de sexo com cavalos. Mas incluía sexo com mulheres amamentando, sexo com palhaços e, o mais surreal de todos, o Panda Fuck, em que uma pessoa fantasiada de panda, enfim… É. Isso mesmo que você imaginou.

O que me chamou mais atenção foi, contudo, algumas modalidades, digamos, bastante específicas. E muito apreciadas. A primeira é o punish teens, em que jovens garotas são punidas, com sexo forçado, por alguma malcriação, com frequência por pais, padrastos e irmãos. O sexo nas relações familiares é uma das ideias fixas do pornô (e, sim, os paus grandes e mulheres que só querem isso fazem parte da mitologia pornográfica).

Outra categoria é o gangbang, em que muitos homens transam com uma mulher (a “clássica” cena do banheiro masculino). No bukkake, vários homens ejaculam em uma única mulher, com frequência, ajoelhada. E, no facial abuse, uma câmera colada no rosto da mulher, no estilo caseiro, enfoca expressões de dor e prazer durante um blowjob em que a mulher é ofendida por um homem a todo momento (e, sim, o mundo do pornô opera em inglês).

A ausência de consentimento ou a violência no sexo são recorrentes, havendo inúmeros canais especializados no rape porn, brutal sex rape ou forced porn, que oferecem uma variedade de filmes com mulheres se debatendo, chorando e dizendo não. Em vários idiomas. Alguns te perguntam: Are you ok with extreme sex?Aparentemente, temos dito que sim todos os dias.

Apesar da enorme pluralidade de personagens e situações que entram em cena em um filme pornô, a representação do sexo é, em geral, monotemática. Um ato agressivo em que homens, viris e bruscos, têm prazer a qualquer custo. E, em geral, as mulheres acabam gostando. Quer dizer, às vezes sim, às vezes não. Mas essa questão é secundária. Homens gozam.

O padrão dos corpos, o enredo, as palavras sagradas na hora do sexo, as expressões faciais…. Tudo se repete. Artigos científicos indicam a correlação entre assistir pornografia e disfunção erétil, entre outros efeitos. Não parece difícil chegar à mesma conclusão sem saber estatística e metodologia de pesquisa. Deve ser muito decepcionante ser socializado sexualmente no universo pornô e, em uma noite qualquer, ter que se deparar com a realidade, nua, deitada na cama. Sem saber muito bem por onde começar e como agradar. Deve ser ainda mais difícil tentar reproduzir o filme, visto tantas vezes – como no caso do crush da amiga do Tinder – e a realidade responder “puxa, assim eu não gosto”.

Um dos gêneros de pornô que mais cresce no mercado é o não profissional. Uma tentativa de buscar o real ou o espontâneo? Mas, existe uma performance que possa ser verdadeiramente original, quando todas são paródias de uma mesma cena?

Fiquei pensando em um filme pornô em que pessoas cotidianas (com gordurinhas, sem peitões e com paus pequenos) olhassem, umas para outras, nuas, e tivessem que lidar com isso. Sem caras e bocas aprendidas no Redtube. E que elas tivessem que negociar o que gostam e o que não gostam e que o prazer de ambas valesse a mesma coisa. Teriam, enfim, que aprender a fazer sexo sem parecer que há um diretor atrás de uma câmera invisível no quarto, sempre procurando o melhor close, e disposto a gritar “corta! Ficou horrível!”

Talvez o resultado fosse absolutamente não sexy. E, definitivamente, não entraria na lista de most viewed dos canais da internet.

No mundo em que nossas representações sobre o sexo são aprendidas por meio de filmes pornôs, nada menos sexy do que a realidade.

Por Mariana Mazzini

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