Por que mulheres voltam para seus agressores?, por Nana Soares

28 de julho, 2016

(O Estado de S. Paulo, 28/07/2016) No domingo (24) a atriz Lindsay Lohan foi filmada pelos vizinhos em uma séria discussão com seu noivo, Egor Tarabasov. No vídeo, divulgado por um tabloide inglês, Lindsay o acusa de agressão e afirma que ele quase a matou. Ela também diz não ter sido a primeira vez, mas fala que será a última. No dia seguinte, pediu privacidade nas redes sociais após a exposição de “certos aspectos de sua vida” e deu a entender que voltou a se relacionar com o milionário.

O direito a privacidade de Lindsay é indiscutível, mas, falando apenas de violência doméstica, o silêncio é um dos maiores aliados do agressor. Quem agride sabe que expor a situação não é fácil e constrange a vítima, seja ela anônima ou famosa, geralmente alterando substancialmente sua vida. De qualquer modo, não fosse a filmagem amadora não saberíamos que Lindsay Lohan é mais uma entre as milhões de mulheres que sentem na pele a violência de gênero. Acharíamos que tudo está bem em seu relacionamento – especialmente porque ela aparenta uma fase de calmaria depois de anos de problemas com álcool e drogas.

Desde então, a ex-estrela teen vem sendo novamente bombardeada com comentários maldosos. “Mais um escândalo envolvendo Lindsay Lohan”, “garota problema”, “deve ter provocado”, “ela não é fácil” e “se fosse verdade não tinha voltado” são alguns deles. Todos relativizam a violência sofrida por uma mulher e colocam parcela de culpa nela. Se não é culpada pela violência, é trouxa por ter voltado com quem a agride.

Quando Rihanna foi agredida por Chris Brown em 2009 – caso que também veio a público depois de um vazamento não autorizado de imagem – eles reataram o relacionamento pouco tempo depois. Terminaram e voltaram de novo, chegando a gravar uma música entitulada “Não é da conta de ninguém”, em 2012. O recado era claro, era a versão gringa do “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Só que Rihanna e Lindsay Lohan não são as primeiras e nem serão as últimas mulheres agredidas a voltar com seus agressores. Isso porque encerrar o ciclo da violência é muito difícil e porque falamos de relações familiares, de parentesco, carinho e afeto. Nós não cortamos laços com ninguém do dia para a noite, mas continuamos a exigir que as mulheres agredidas o façam, mesmo que elas não tenham mecanismos para seguir a vida depois disso.

No Brasil, a Lei Maria da Penha está prestes a completar 10 anos de existência. Nos últimos anos, as pesquisas mostram um dado positivo: cada vez mais mulheres denunciam a violência em sua primeira ocorrência. É um bom sinal de que a tolerância para com o fenômeno está diminuindo, mas não exclui as barreiras práticas para a separação entre as partes. Estamos falando de cortar relações e/ou criminalizar o marido, o pai dos seus filhos, seu próprio pai, irmão ou cunhado. Falamos de provocar uma fissura na família, de muitas vezes perder a garantia financeira ou mesmo a relação de companheirismo, que não deve em hipótese alguma ser diminuída em sua importância. Embora a lei preveja que o Estado deve garantir às mulheres todos os mecanismos necessários para encerrar um cotidiano doloroso, ainda falta muito para isso ser uma verdade posta em prática.

E isso se as mulheres quiserem mesmo encerrar a relação, o que nem sempre é o caso. Quando converso com aplicadoras da Lei, ouço muito que as mulheres que denunciam violência doméstica não querem necessariamente prestar queixa formal contra o marido. Isso tem consequências para ele, afinal de contas. Muitas delas querem apenas que a violência se encerre. Querem viver sem ser agredidas. Não é pedir demais, mas ainda assim não conseguimos garantir um direito básico.

Não dá para combater a violência contra a mulher sem ter muito claro que ela não começa no momento da agressão e que não se encerra ali. Pense por exemplo nas mulheres que, ameaçadas, precisam mudar de cidade, de vida e de identidade às pressas para não serem mortas enquanto o agressor segue sua vida. Por isso, eu discordo de Rihanna: acho que é da conta de todo mundo sim. Mas que isso não dá a ninguém o direito de dizer que sabe o que é certo para você e para sua vida.

Há pessoas que podem explicar com muito mais autoridade o que é o ciclo da violência e por que é tão dificil quebrá-lo, mas ainda assim reforço a mensagem: não culpabilize as mulheres que sofrem violência, nem mesmo as que retornam para perto do agressor. Relações humanas são complexas e não se encerram ao toque de um botão. Seja um aliado das mulheres que precisam de apoio, não alguém com quem elas têm medo de se abrir.

Para entender mais sobre ciclo da violência, clique nos números: 1, 2, 3, 4.


No dia 7 de agosto, domingo, acontece em São Paulo o AGOSTO MATERNATIVA, um encontro de dia dos pais promovido pelo Maternativa, que é uma rede de mães empreendedoras (iniciativa muito bacana que você pode conhecer aqui). O intuito do evento é discutir o papel do homem na sociedade moderna e repensar a maternidade e a paternidade. Estarão presentes figuras como Laerte, Fred Melo Paiva e Tulio Custodio.

Os ingressos custam R$20,00 (compre aqui) e o evento vai das 9h às 17h30. Saiba mais.

Acesse o PDF: Por que mulheres voltam para seus agressores?, por Nana Soares (O Estado de S. Paulo, 28/07/2016)

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