Aluna trans da USP é escolhida para participar de fórum na Rússia

04 de agosto, 2016

(G1, 04/08/2016) Victória Dandara, que estuda gestão de políticas públicas, recebeu bolsa de 50% para o evento de líder, e lançou uma vaquinha para pagar pela viagem.

No dia 23 de agosto, Victória Dandara da Silva Toth, estudante de gestões de políticas públicas na Universidade de São Paulo (USP) e bolsista do instituto Ismart, vai integrar um grupo de jovens estudantes de várias partes do mundo na Cúpula Preparando Líderes Globais em Moscou, na Rússia. Transexual e feminista, a jovem de 18 anos, que é filha de uma mãe solteira e tem três irmãos mais novos, ganhou uma bolsa parcial para participar do treinamento, e criou uma vaquinha na internet para arrecadar o dinheiro da passagem.

 (Foto: Fabio Tito/G1)

Segundo Victória, 700 jovens se inscreveram para as 50 vagas do programa e, nesta edição, além dela, há outros três representantes do Brasil. Até a tarde desta terça-feira (2), o financiamento coletivo já tinha recebido cerca de R$ 1.600. O objetivo dela é juntar R$ 5 mil para garantir sua participação.

“Acho que indo para a Rússia eu levo muitas bandeiras para representar, e achei justo compartilhar isso e aproveitar para pedir ajuda, visto que não consigo arcar com os custos totais e não quero abrir mão dessa oportunidade incrível”, explicou Victória ao G1 sobre a ideia da vaquinha on-line. Caso não consiga levantar o valor total, a jovem está avaliar negociar um empréstimo para conseguir o restante do dinheiro.

Nova escola e novo nome

A estudante vai representar o Brasil usando seu nome social, que é composto porque sua mãe insistiu em escolher um deles. “Minha mãe disse que fazia questão de escolher o primeiro nome, pois ela havia escolhido o meu nome de registro e era assim que as coisas funcionavam. O segundo foi por minha conta, acho a história de Dandara incrível e um símbolo de força e resistência”, afirmou ela, referindo-se à guerreira negra que, ao lado de Zumbi dos Palmares, lutou contra a escravidão no Brasil colonial.

De acordo com ela, a transição e a identificação pública como transexual não aconteceu da noite para o dia. “A gente não acorda e se descobre, foram longos processos que acho que duraram minha vida toda, desde criancinha até a fase mais aguda, em que ficou insuportável continuar fingindo”, explicou ela, afirmando que “no Brasil, país em que mais se mata travestis e transexuais, é difícil se reconhecer dessa maneira sem muito choro e momentos de reflexão”.

Foi no Natal de 2014, quando já estudava no Colégio Marista Arquidiocesano, como bolsista do Ismart, que ela tomou o primeiro passo concreto para assumir sua transexualidade. “Eu me assumi para mim mesma, consegui dizer as palavras ‘sou uma mulher transexual’, só para mim, no espelho mesmo. E foi libertador. Então as coisas foram indo, falei com amigos, com minha mãe, madrinha, irmãos. Indo de esfera em esfera.”

Sua escolha de carreira também é um reflexo direito de sua experiência pessoal. “A questão da desigualdade sempre me tocou muito porque eu a senti na pele, vivendo, como eu digo, ‘entre dois mundos’. Por isso eu busquei carreiras que me dessem poder institucional para mudar isso”, explicou ela, que prestou o vestibular pela Fuvest para o curso de direito, e escolheu a carreira de gestão de políticas públicas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Acabou sendo aprovada na primeira tentativa, depois de um ano estudando 12 horas por dia entre o colégio e o cursinho na Zona Sul de São Paulo, onde conseguiu uma bolsa de estudos.

De acordo com a jovem, tanto no colégio quando na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each) da USP, a recepção de professores e alunos foi amistosa, e ela apenas teve problemas pontuais ao ver seu nome de registro na lista de presença, um problema que foi rapidamente corrigido na faculdade.

A jovem ganhou bolsa parcial para ir à Rússia e criou uma vaquinha para juntar o dinheiro da passagem (Foto: Fabio Tito/G1)

A jovem ganhou bolsa parcial para ir à Rússia e criou uma vaquinha para juntar o dinheiro da passagem (Foto: Fabio Tito/G1)

Primeira vez no exterior

Essa será a primeira vez em que Victória, que mora no Jardim Maringá, na Zona Norte de São Paulo, vai viajar para fora do Brasil. “O mais longe que já viajei foi para Santa Catarina”, explicou ela, que tem dedicado o tempo livre para treinar o inglês.

Em Moscou, a jovem vai passar uma semana entre estudantes de várias partes do mundo que também pretendem atuar em posições de líderes. O programa do evento inclui palestras e mentorias em diversos aspectos do desenvolvimento de lideranças, incluindo formas efetivas de negociação, carisma e apresentações em público, pensamento criativo e estratégico, redação de discursos e marketing.

Entre outros jovens líderes que já participaram de edições anteriores estão a política muçulmana mais jovem do Reino Unido, um ex-presidente da União de Estudantes da Universidade de Oxford e jovens empreendedores das áreas de saúde, economia, política, biotecnologia e educação de mais de 30 países.

No caso da estudante da USP, sua área de atuação ainda não está definida, mas ela pensa em trilhar o caminho da educação pública, do empreendedorismo social ou do desenvolvimento de políticas públicas independentes do governo. “Acho que a educação é o melhor caminho para a mudança social”, afirmou ela.

Ana Carolina Moreno

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