Rafaela Silva é a melhor heroína que o esporte brasileiro poderia ter como espelho

08 de agosto, 2016

(Trivela, 08/08/2016) O olhar fixo antes de entrar no tatame para final olímpica demonstrava o tamanho da determinação de Rafaela Silva. A judoca era o melhor exemplo da expressão “sangue nos olhos”. A vontade de vencer se fez crescente em cada uma de suas lutas nos Jogos Olímpicos, até a chance de visualizar o ouro contra a atleta da Mongólia. Brilho que ela mirou e não deixou escapar. Que, ao final dos quatro minutos de batalha, se transformou nas lágrimas de felicidade guardadas por quatro anos. Lágrimas também de desabafo, de quem se superou na vida e na carreira, para atingir a maior glória do esporte mundial. Para, enfim, ser a primeira heroína brasileira nos Jogos Olímpicos de 2016. Não poderia haver melhor. Merece, e muito, esta volta por cima.

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O conteúdo deste texto poderia ser o mesmo independente do metal da medalha, independente do resultado da competição. Mas que bom que foi com o ouro. Porque os méritos de Rafaela Silva na conquista são imensos. Em 2012, a judoca enfrentou o pior depois de sua eliminação em Londres. Acabou desclassificada por um golpe ilegal, por uma regra que tinha mudado fazia pouco tempo. Sofreu com a depressão, motivada pelas ofensas (inclusive racistas) em meio a uma cultura ampla no país de quem não acompanha necessariamente o esporte, mas quer celebrar as glórias e encontrar culpados nas derrotas. O erro da carioca foi tratado da maneira mais criminosa possível.

Rafaela Silva sofreu. Mas, como uma das melhores judocas de sua categoria, se superou. Em 2012, já tinha avisado que “2016 estava aí”. O Rio de Janeiro veio antes na história vitoriosa da carioca, palco de sua medalha de ouro no Mundial de Judô de 2013. Tinha mais. Tinha algo maior guardado. E a façanha da brasileira foi enorme, ainda mais pela maneira como derrubou preconceitos e desconfianças.

Ao longo do torneio olímpico, nesta segunda, Rafaela Silva se impôs sobre todas as suas adversárias. Pegou oponentes duríssimas. Mas não tomou conhecimento de qualquer uma delas, incluindo até mesmo a húngara, algoz em 2012. Seu nível de concentração foi imenso. E, se quatro anos atrás o regulamento foi a perdição da carioca, desta vez serviu como um de seus trunfos para controlar as lutas. Para triunfar em sua cidade, diante de sua família e diante da torcida que, desta vez, ajudou a jovem a se a agigantar no tatame.

Rafaela Silva é o talento da Cidade de Deus descoberta pelo Instituto Reação, projeto social impulsionado também por outra medalha olímpica, o bronze de Flávio Canto em Atenas. Um caminho óbvio de educação e investimento na juventude das periferias, mas que não recebe o reconhecimento devido na hora de se investir. O primeiro passo para se fazer a campeã foi a oportunidade. E, depois disso, a conquista se fez de empenho, de qualidade, de superação. Sobretudo, depois da barra que caiu sobre os ombros da judoca em 2012.

Da medalha de Rafaela Silva, podem se tirar várias mensagens para o esporte nacional. É um ouro do Brasil, sim, mas principalmente (e felizmente) um ouro de Rafaela. Da mulher que, mesmo sendo uma atleta excepcional, sofreu o que sofreu por pura ignorância. Que deu a volta por cima, para demonstrar como uma derrota não é uma sentença, assim como a vitória não se constrói no acaso. Se Vanderlei Cordeiro de Lima enfatizou a identidade nacional ao acender a pira, Rafaela Silva faz o mesmo com o primeiro ouro brasileiro dos Jogos do Rio de Janeiro. O ouro que vem da maior essência do esporte: acreditar. No talento, nos passos e na vida. A confiança que se concretizou de diferentes maneiras na judoca, e que poderia ser bem mais comum no esporte brasileiro – especialmente em quem está do lado de fora, apoiando das mais diferentes maneiras.

PS: Só para ninguém reclamar que este é um site de futebol e não está falando sobre futebol, fica a mensagem: Professor Micale, coloque as lutas da Rafaela na preleção da Seleção antes do jogo contra a Dinamarca. Não é o único a se fazer, mas um pouco mais de atitude ajudará.

Leandro Stein

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