O país do futebol deve espaço às boleiras: nos campos e nas telas

12 de agosto, 2016

Futebol feminino destaca-se nas Olimpíadas e reacende o debate sobre o sexismo no esporte. Entre os elementos para enfrentar a desigualdade de gênero no futebol, especialistas entrevistados pela Agência Patrícia Galvão destacam: é preciso romper a invisibilidade na mídia, garantir espaço para as mulheres no futebol desde cedo nas escolas, aumentar o investimento nas categorias de base e ampliar a institucionalização e o investimento na profissionalização das atletas e das equipes. Confira. 

(Marina Pita /Agência Patrícia Galvão, 12/08/2016) Nestas Olimpíadas, a seleção feminina de futebol ganhou destaque nos meios de comunicação e nas redes sociais. Pesaram para isso tanto a qualidade e dedicação – ambas já conhecidas – do time feminino que representa o Brasil em campo, quanto a falta dessas qualidades na atuação da megamilionária seleção canarinho masculina nos primeiros jogos. Mais uma vez, ficou clara a desigualdade de gênero no esporte que recebe o maior investimento no país – público e privado, mas também ganharam evidência os movimentos para que ocorram mudanças neste cenário.

Leia mais: Antes de Marta, elas já provavam que futebol é coisa de mulher, sim (Correio Braziliense, 15/08/2016)

#neymarta

A foto, que viralizou nas redes sociais, de um menino com a camiseta da seleção em que o nome do jogador Neymar aparece riscado e, logo abaixo, está escrito à mão o nome da jogadora cinco vezes eleita melhor do mundo, Marta, seguido de um coração, tornou-se o símbolo deste movimento de questionamento das diferenças de gênero e da necessidade de superar estereótipos sexistas e promover a valorização do futebol feminino.

Em vídeo publicado nas redes sociais o menino Bernardo, dono da camiseta, diz: “A Marta é apaixonada, ela gosta de jogar futebol. Ela mostra que mulher entende de futebol. A seleção feminina ganhando todas, arrebentando, para mim, é um símbolo do feminismo no Brasil. Acho que ela mereceu totalmente (a camisa). Acho que ela merece essa camisa muito mais do que Neymar”.

Marta

“Apesar de existir há mais de três décadas, o futebol feminino ainda hoje é marginal e é reprimido. Nas escolas é recente as meninas jogarem futebol, mas não são incentivadas para a carreira. A organização institucional do futebol feminino é paupérrima, o reconhecimento das jogadoras só ocorre no exterior – ou muito mais no exterior. A cobertura do futebol feminino é correlata ao apoio institucional: muito baixa. Só parte dos jogos é televisionada e o acompanhamento dos campeonatos não acontece. E, ainda assim, nós temos a Marta, muitas vezes considerada a melhor jogadora do mundo”, avalia a socióloga e analista de pesquisas de opinião, Fátima Pacheco Jordão, que não esconde o entusiasmo diante da seleção liderada pela atacante.

Invisibilidade dos esportes femininos na mídia 

Para a jornalista Luciane Castro, que mantém um blog sobre futebol feminino no sitio web do noticioso esportivo Lance!, falta visibilidade para o trabalho das jogadoras e isso está diretamente relacionada à cobertura midiática no Brasil.

“É uma dificuldade vender pauta. Eu tinha uma entrevista exclusiva com o Marcelo Teixeira [ex-presidente do Santos] falando da extinção das Sereias da Vila [apelido do time feminino do clube]. Muitos editores não me responderam, outros disseram que não havia espaço para o futebol feminino”, exemplifica a jornalista, que desde 2006 vem trabalhando para divulgar a atuação das mulheres em campo.

Segundo Luciane Castro, a cobertura do futebol feminino pela mídia tradicional acontece em períodos específicos, principalmente durante as Olimpíadas. Durante todo o resto do tempo, há apenas a cobertura pela mídia alternativa. “É aí que eu me enquadro. Temos que trabalhar pesado, sem recurso e durante todo o resto do tempo. E encontramos barreiras muito absurdas para falar sobre isso”, conta. Há alguns anos, relata a blogueira, até mesmo as assessorias de imprensa dos órgãos institucionais não ofereciam informações sobre as competições femininas.

A pouca visibilidade na mídia influencia no interesse de patrocinadores, o que seria um dos principais obstáculos para o aumento do investimento privado nas atletas e, assim, para um maior investimento na modalidade feminina e aumento do número de profissionais mulheres no futebol. Trata-se de um círculo vicioso: “São as duas faces da mesma moeda. O biscoito é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?”, alerta Juca Kfouri quando questionado pela Agência Patrícia Galvão sobre as responsabilidades da mídia e dos patrocinadores pela invisibilidade das nossas jogadoras.

Da base ao estímulo à profissionalização

Este ano ficaram famosos dois casos que exemplificam como as meninas que jogam futebol são desestimuladas por uma estrutura que, desde a base, só abre espaço para os homens.

Sem campeonatos para disputar na categoria de até 13 anos, um time feminino foi aceito na Copa Moleque Travesso realizada no Centro Olímpico de São Paulo – após todos os times serem consultados. Para surpresa de muitos e decepção de alguns, as meninas saíram campeãs do torneio – não sem que a vitória fosse contestada por alguns times e pais de jogadores.

Em uma segunda história tocante, uma garota de 7 anos foi proibida de seguir jogando com seu time misto no campeonato paulista sub-13, após passar da fase municipal e alcançar a fase regional da competição. Foi a segunda vez que a jogadora foi impedida de entrar em campo e mesmo de ficar no banco de reserva, para o desespero de seu pai que explicou o motivo da negativa: por ela ser mulher.

Valorização passa por eliminação de preconceitos e mais investimento

“Precisamos mudar a mentalidade das pessoas e incentivar o futebol feminino desde cedo. As meninas podem jogar futebol na escola, não precisa separar dos meninos e mandar jogar handball”, afirma a produtora de TV, Stephanie Steroponovicius, destacando a importância de desconstruir papéis de gênero que impedem o desenvolvimento dos múltiplos talentos das meninas.

Integrante da equipe do canal especializado em esportes ESPN, Stephanie acredita que o maior número de profissionais mulheres cobrindo esportes nos meios de comunicação ajuda a reverter a pouca visibilidade das atletas, incluindo o futebol. Segundo a produtora, a ESPN tem uma equipe com muitas mulheres no Brasil, inclusive em cargos de chefia, e as iniciativas aparecem: a empresa lançou o portal online ESPNW, dedicado à cobertura das mulheres nos esportes e cuja produção também é feita por mulheres jornalistas e especialistas nas diversas modalidades.

Para Fátima Pacheco Jordão, o atual momento da seleção feminina abre espaço para essa valorização do esporte entre as meninas, mas, para isso, é preciso incentivo. “Todas as instalações estão dadas, as escolas já poderiam avançar em mais campeonatos de futebol para mulheres”, opina.

Mas, saindo da infância, as mulheres devem enfrentar ainda a precariedade com que os clubes tratam as equipes femininas em processo de profissionalização, as chamadas equipes de base. “Em muitos casos, as meninas que jogam com a camisa de um clube nem recebem pelo clube. Colocam a camisa, mas treinam em um projeto distinto ou poucos dias da semana. Aí, quando enfrentam um time mais profissional, como foi o caso do time do Santos, é difícil. E a opinião pública começa a dizer que não tem qualidade. Mas não tem é condições, equipe, treinamento”, reforça a jornalista Luciane Castro.

Para mudar essa realidade, a Lei 13.155/2015, que estabelece critérios para a renegociação da dívida dos clubes esportivos com a União, inclui a obrigatoriedade de investimento mínimo no futebol feminino. A regra precisa de regulamentação, mas a expectativa ainda é baixa quanto a sua aplicação. “Temo que seja daquelas leis que não peguem no Brasil. Ainda mais por ter sido assinada por Dilma Rousseff”, frisa Juca Kfouri. “O texto da lei trata do tema de forma genérica. Assim, é difícil que se cumpra”, avalia Luciane Castro, que reforça a importância de sua regulamentação.

Edição: Débora Prado

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