Corte da OEA conclui fase de depoimentos sobre chacinas na favela Nova Brasília

13 de outubro, 2016

Terminou hoje (13) a fase de depoimentos da audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a falta de investigação e punição da execução de 26 pessoas e de tortura sexual de três adolescentes, supostamente feitos por policiais civis em incursões na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, nos dias 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995.

(Agência Brasil, 13/10/2016 – acesse no site de origem)

Durante dois dias, foram ouvidos familiares das vítimas e peritos sobre o caso. Além dos depoimentos, foram feitas, oralmente, as alegações finais dos representantes das vítimas e do Estado brasileiro . Eles têm até o dia 11 de novembro para apresentar as alegações finais sobre o caso.

Beatriz Affonso, diretora para o Brasil do Centro pela Justiça e Direito Internacional, entidade que levou o caso à Corte, lembrou da importância da reparação econômica para os familiares, o que não ocorreu, e sugeriu medidas para serem implantadas no país para evitar a violência policial e a impunidade nesses casos.

“Há um risco natural que os crimes com envolvimento de policiais representam para as testemunhas, por ficarem vulneráveis por um elevado período de tempo, dado a obrigação a declarar inúmeras vezes perante distintas autoridades, solicitamos que se normatize a produção antecipada de provas perante o juiz, só em casos de violência perpetradas por agentes do estado”, disse.

Durante a audiência também foi sugerido que se avance na legislação brasileira para que entes da sociedade civil possam entrar no rol de legitimados para propositura de ação penal privada e que seja garantida a idoneidade e independência na investigação de violações de direitos humanos cometidas por policiais. Os representantes das vítimas sugeriram que existam normas para garantir o deslocamento de competência para o julgamento de casos de mortes causadas por policiais para o âmbito federal.

Políticas públicas

O representante do Estado brasileiro Pedro Murilo Ortega Terra, ministro conselheiro da Embaixada do Brasil em Quito, destacou as políticas públicas implantadas no país desde a época do caso, que, segundo ele, diminuíram as taxas de homicídio e de homicídio decorrente de intervenção policial, como programas sociais, melhorias de processos de acolhimento de vítimas e de investigações e as unidades de Polícia Pacificadora, implantadas em 38 comunidades do Rio de Janeiro.

Terra disse que o Estado brasileiro reconhece que seus agentes são responsáveis pelos 26 homicídios e pelos três crimes de violação sexual e também reconhece a dor e sofrimento das vítimas em decorrência desses fatos. Porém, ele destacou que a representação das vítimas tentou ampliar o escopo do julgamento, o que, para ele, não é devido no caso.

“Nós ouvimos durante o julgamento alegações de que há violações sistêmicas de direitos humanos no Brasil decorrente de ação policial, falam em padrões de falta de imparcialidade, de acobertamento das ações e que o Estado não teria contradito esse chamado contexto alegado, mas o Estado não está aqui para ser julgados por contextos, está aqui para ser julgados por fatos. Os fatos submetidos à jurisdição dessa Corte são a alegada falta de devida investigação e punição de 26 homicídios e três crimes de violência sexual, somente. Não há outro fato. O estado não foi chamado para responder por 3 mil mortes decorrentes de intervenção policial no ano de 2014, como quer fazer crer a representação das vítimas em suas alegações finais”.

Depoimentos

No depoimento de ontem, em nome dos familiares das vítimas, Mac Laine Farias Neves, irmã de Macmiller Farias Neves, que tinha 17 anos quando foi morto, disse, muito emocionada, que a versão que apareceu na mídia não foi confirmada pelos moradores do local.

“Eu vi pela televisão que teve uma incursão da polícia na favela e teve essa chacina. Contavam de troca de tiro, que a polícia foi fazer essa incursão na favela e teve essa troca de tiros com essas mortes todas, mas, segundo o que contam os moradores, não houve troca de tiro. Segundo eu soube, porque eu não estava lá, não vi, o meu irmão foi pego dentro de uma casa, dormindo. Ele foi morto, não trocou tiro. Eles poderiam ter prendido ele, se ele tivesse feito alguma coisa de errado, ele teria pago pelo erro que cometeu. Eles foram colocados como criminosos”.

Mac Laine lembrou que não foi ao enterro, pois o rosto do irmão foi desfigurado, e nunca foi chamada para depor sobre o caso. Mac Laine disse que as famílias sofrem muito até hoje e que a situação de violência policial nas comunidades piorou desde então e continua não havendo investigação.

“Não precisa de investigar, de julgar, de nada disso, é só matar e dizer que tinha envolvimento com tráfico ou qualquer coisa. Nada vai acontecer, nada vai mudar. As pessoas têm medo de falar, porque pode acontecer o mesmo com quem denunciar. Eu tenho medo de que aconteça algo com a minha família, de nada mudar, de continuar acontecendo a violência toda que aconteceu com o meu irmão e até hoje continua acontecendo. Não tenho confiança na polícia nem na Justiça, porque na época que meu irmão morreu não houve justiça, nada mudou, pelo contrário, só piorou”.

Akemi Nitahara; Edição: Fábio Massalli 

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