Assassinatos de pessoas trans: a posição do Brasil num ranking precário, mas simbólico

17 de novembro, 2016

Quantidade de registros varia não só de acordo com a violência em si, mas também com a sensibilidade da mídia de cada país para casos do tipo e a existência de uma sociedade civil organizada em torno do tema

(Nexo, 17/11/2016 – acesse no site de origem)

O Brasil responde por 42% dos 295 casos de assassinatos de pessoas trans registrados em 2015 no mundo. Com 123 mortes, o país fica bem à frente do segundo colocado, o México, onde houve 52 registros. E se mantém na primeira posição do ranking anual que contabiliza mortes dessa população.

As informações são da Transgender Europe, uma ONG voltada à defesa do direito das pessoas trans que atua principalmente na Europa, mas também acompanha países de outras regiões do mundo. A maior parte das mortes ocorre com pessoas que se prostituem. O relatório chama atenção para o Dia Internacional da Memória Trans, que ocorre no domingo, 20 de novembro.

A Transgender Europe classifica como trans pessoas com identidade de gênero diferente do sexo biológico. Isso inclui não apenas transexuais, mas cross-dressers e pessoas sem gênero definido, por exemplo.

Números são ‘a ponta do iceberg’

Segundo o relatório, até junho de 2016 houve 166 casos de assassinatos registrados. É o número mais alto para um primeiro semestre em qualquer ano desde 2008, quando o levantamento começou a ser realizado.

Os assassinatos são contabilizados a partir de pesquisas em sites e blogs de notícias e informações coletadas por ativistas e entidades de defesa dos direitos de LGBTs de mais de 100 países. A qualidade dos dados é limitada, à medida que há poucos levantamentos oficiais sobre a morte de LGBT – o Brasil não tem nem mesmo um censo de sua população transexual.

Por isso, a quantidade de registros varia não só de acordo com a violência em si, mas também com a sensibilidade da mídia de cada país para casos do tipo e a existência de uma sociedade civil organizada em torno do tema.

O relatório afirma que os dados apresentados “devem ser entendidos como uma amostra da realidade, a ponta do iceberg dos assassinatos a pessoas transgênero e gênero diversas. A realidade é muito pior”.

Segundo a entidade, é provável que exista um número significativo de casos em países com altos níveis de transfobia, mas onde há poucas denúncias de crimes do tipo.

Mesmo não contabilizando todas as mortes, o levantamento é relevante por ser o mais completo do tipo. Mais do que números absolutos, ele é valioso por traçar um panorama de como se dão as mortes violentas de pessoas trans no mundo.

O perfil de pessoas trans assassinadas

O relatório chama atenção para o fato de que grande parte das vítimas são assassinadas precocemente. Das mortes contabilizadas entre janeiro de 2008 e junho de 2016, 57% eram de menores de 30 anos. E 11,5% de menores de 20 anos. A maioria dos registros foi realizada no Brasil. Isso é, segundo a ONG, um “resultado do forte monitoramento realizado no país”.

O trabalho ilustra o problema com o caso de uma menina de 13 anos que se prostituía e foi apunhalada até a morte em Araraquara, no interior paulista. Ela foi encontrada jogada na rua, com 15 golpes espalhados pelo corpo, incluindo na cabeça e no rosto. Seu crânio estava fraturado.

Violência está ligada à marginalização

De acordo com o relatório, as mortes de trans são resultado de uma intersecção de transfobia com outros tipos de discriminação, como racismo e ódio às prostitutas. De todas as mortes, 65% foram de pessoas que se prostituíam. Em segundo lugar vêm cabeleireiros e estilistas, que respondem por 10% das mortes.

A prostituição é uma atividade à qual muitas transexuais recorrem devido ao preconceito de empregadores e à dificuldade que têm em se qualificar. Segundo pesquisa realizada pela Rede Trans (Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil) com dados de ONGs brasileiras, 82% das travestis e mulheres transexuais abandonam o ensino médio entre os 14 e 18 anos no Brasil.

Em entrevista concedida em maio de 2016 ao Nexo, a psicóloga e militante transexual Roberta Fernandes afirmou que pessoas trans são constantemente tratadas pelos professores, por colegas e pela diretoria pelo nome oposto ao gênero com o qual se identificam. Isso, somado ao bullying e, com frequência, à falta de suporte familiar, contribui para que abandonem as salas de aula.

Segundo a Transgender Europe, a brutalidade da violência dos assassinatos mostra que os crimes de ódio transfóbico ou relacionados a situações específicas em que pessoas trans enfrentam, como “serem forçadas ou levadas, devido à discriminação no mercado de trabalho, a recorrer trabalho sexual para se sustentar”.

Esse é o mesmo diagnóstico feito pelo GGB (Grupo Gay da Bahia) sobre o Brasil. A entidade acompanha relatos em veículos de notícias sobre a morte de LGBT e é uma das principais fontes do Transgender Europe no país.

Em seu levantamento relativo a 2015, a entidade afirma que grande parte das mortes de transexuais são resultado da exclusão social, que empurra essa população “para as margens da sociedade onde a violência é endêmica”. Travestis estão particularmente sujeitas a serem mortas em vias públicas no país, afirma o relatório. No Brasil, 79% das pessoas trans assassinadas são prostitutas.

Preconceito se traduz em brutalidade

Segundo o relatório, o preconceito se reflete na brutalidade dos assassinatos de pessoas trans ou gênero diversas: 44% daqueles registrados entre 2008 e 2016 foram por disparos de armas. Cerca de 24% por punhaladas, 13% por pauladas, 5% por estrangulamento, 3% por apedrejamento e 2% por desmembramento ou degola.

ASSASSINATO DE PESSOAS TRANS

O trabalho ilustra a questão contando a história de Alex, uma criança de oito anos de idade golpeada até a morte pelo pai em 2014 no Rio de Janeiro. O pai queria ensinar Alex a se comportar como um homem após o filho ter mostrado interesse por dança do ventre, usar roupas femininas e lavar pratos.

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