Caso Luiza Brunet: revitimização e preconceitos são intoleráveis e podem inibir denúncias

29 de novembro, 2016

Justiça de São Paulo realiza hoje, 29/11, audiência de instrução do processo criminal contra Lírio Parisotto, acusado sob a Lei Maria da Penha pela agressão de sua ex-mulher Luiza Brunet. 

A audiência de instrução, debates e julgamento do caso está marcada para as 13h, no Fórum Criminal da Barra Funda, na capital paulista. De acordo com informações do portal G1, o empresário Parisotto teve negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de habeas corpus para cancelar a audiência.

A vítima não pode ser transformada em ré

Desde de que se tornaram públicas as agressões, a ex-modelo Luiza Brunet tem recebido apoio de conhecidos e desconhecidos, mas tem também sofrido violentos ataques na internet – a maioria deles marcado por estereótipos discriminatórios contra as mulheres.

Repletos de adjetivos acusatórios, como ‘louca’ e ‘descontrolada’ – constantemente mobilizados para desqualificar a palavra da vítima de violência -, ou ‘interesseira’, usado por quem confunde o processo criminal com um processo de divórcio’, esses ataques configuram uma situação de revitimização de Luiza, revelando a repetição de um cenário preocupante para quem acompanha casos de violência contra as mulheres.

Em entrevista à revista Claudia em novembro, a promotora de justiça Valéria Scarance, do Ministério Público do Estado de São Paulo, esclarece que desacreditar a vítima é uma das estratégias mais comuns usadas pela defesa de homens acusados de violência contra a mulher. E a reprodução desse descrédito por parte da sociedade mostra como o machismo estabelece padrões de naturalização e aceitação da violação dos direitos das mulheres, tornando-se uma das principais barreiras para o acesso das vítimas à Justiça.

Luiza Brunet, como toda mulher, tem direito de que o julgamento do crime do qual foi vítima, conforme previsto na Lei Maria da Penha, seja livre de estereótipos e preconceitos – ela não é a ré. Lírio Parisotto tem direito ao exercício pleno e amplo de sua defesa no processo criminal, mas isso não pode ser confundido com o ‘direito’ de promover ataques morais e nem se tornar desculpa para a omissão da sociedade diante da revitimização em um caso que tem tido ampla repercussão na mídia e, portanto, pode passar uma mensagem errada para toda a sociedade brasileira, desestimulando as mulheres a denunciar por medo de serem desacreditadas.

>> Veja também: artigo sobre os limites éticos da defesa do réu

Diante deste cenário, a Agência Patrícia Galvão conversou sobre a repercussão do caso com algumas especialistas em violência de gênero. Todas são unânimes em ressaltar: não se pode aceitar a revitimização de nenhuma mulher que busca seus direitos. Confira.

“Luiza Brunet teve costela e dedo quebrados, olho roxo, foi agredida mesmo caída no chão, e ainda é chamada de ‘louca’? Isso é inaceitável e covarde, e um problema ainda mais grave quando consideramos a mensagem que passa para toda a sociedade. Amplo direito à defesa é fundamental, mas não pode ser sinônimo de reforço a discriminações e a ataques morais à mulher que enfrenta uma situação de violência e busca a efetivação de seus direitos. Nem pode ser ‘justificativa’ para nos omitirmos diante da revitimização. Sabemos que é justamente por isso que muitas mulheres se calam no Brasil.”
Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão

“Luiza Brunet teve a coragem de tornar públicas as agressões de que foi alvo e mostrar o quanto a violência contra as mulheres não se restringe à classe social, idade ou tipo de relacionamento. Ao expor o seu drama pessoal, ela reforçou a necessidade de denúncia e de posicionamento das pessoas que lhe cercam para não tolerar e nem justificar qualquer tipo de violência. Temos acompanhado com preocupação os comentários negativos e acusações contra ela no desenrolar do processo, o que revela o processo de revitimização, infelizmente muito comum às mulheres que afirmam os seus direitos e buscam justiça. Nos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, fazemos o chamamento público para impedir discriminações e revitimizações às mulheres brasileiras em situação de violência, entre elas Luiza Brunet.”
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil

“Sobre o caso recentíssimo da Luiza Brunet envolvida como vítima, o que estou presenciando é, mais uma vez, uma revitimização. Isso na realidade é uma reprodução de padrões machistas. Lamentavelmente não é a primeira e nem será a última, mas o que esperamos é que, pelo menos, seja cada vez menos frequente esse tipo de reação por parte da sociedade e, algumas vezes, até por parte do próprio sistema de justiça.”
Silvia Pimentel, professora doutora em Filosofia do Direito e integrante do Comitê CEDAW/ONU

“Em minha opinião o que está acontecendo com o caso Luiza Brunet é o que, infelizmente, estamos cansadas de assistir. A palavra da mulher é desacreditada, mesmo quando ela mostra sinais da violência, prova a violência que sofreu. Não há uma investigação em cima do agressor, mas uma investigação sobre a vida da agredida para tentar encontrar alguma coisa que possa fazer com que a denúncia dela não seja levada em consideração. É um absurdo que nos tempos de hoje uma pessoa como a Luiza, conhecida do público e conhecida por participar de diversas campanhas contra a violência doméstica, ainda tenha sua palavra colocada em dúvida.”
Delegada Rose, do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, foi titular da primeira delegacia da mulher do país

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