Zika impede multiplicação celular e amadurecimento de neurônios

25 de janeiro, 2017

Cientistas brasileiros acabam de traçar um mapa detalhado dos efeitos do vírus da zika sobre as células que dão origem ao cérebro humano.

(Folha de S.Paulo, 25/01/2017 – acesse no site de origem)

O invasor microscópico é capaz de travar a multiplicação celular e de impedir que neurônios maduros apareçam, o que provavelmente explica o tamanho reduzido do cérebro dos recém-nascidos afetados pelo zika quando estavam na barriga da mãe.

Ao fim do trabalho, a equipe coordenada por Patricia Garcez e Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, conseguiu uma biblioteca de mais de 500 proteínas e genes das células humanas que parecem ser manipulados ou alterados indiretamente pela presença do vírus.

Algumas dessas moléculas podem se revelar alvos promissores para medicamentos que bloqueiem a ação do vírus de modo específico –algo que não existe hoje.

Garcez, Rehen e companhia estão tentando desvendar os aspectos básicos da biologia do vírus da zika desde que o patógeno foi ligado à epidemia de microcefalia em bebês do Nordeste. A principal ferramenta usada é o cultivo, em laboratório, das chamadas neuroesferas.

Essas pequenas massas esféricas de células se formam quando as precursoras dos neurônios são cultivadas juntas, e sua estrutura simula alguns aspectos do desenvolvimento cerebral dos fetos humanos.

Após expor células-tronco neurais (precursoras dos componentes do cérebro) ao zika durante duas horas, os cientistas esperaram que elas formassem neuroesferas e compararam o desenvolvimento subsequente das estruturas com o de neuroesferas formadas sem o contato das células com o vírus

PEQUENAS E MORIBUNDAS

Os primeiros resultados foram similares aos que a equipe já tinha observado em estudos anteriores: as neuroesferas infectadas com o zika eram menores que as não infectadas e, com o passar do tempo, começaram a sumir (veja infográfico).

Depois os pesquisadores usaram técnicas que lhes permitem enxergar detalhadamente os efeitos do vírus sobre as células. Com a ajuda de uma espécie de balança molecular, que diferencia os vários tipos de proteínas com base em seu “peso”, identificaram as moléculas presentes nas neuroesferas afetadas.

Mapearam ainda as moléculas de mRNA (RNA mensageiro) nas células. Para cada gene no DNA há pelo menos uma molécula de mRNA, que transmite ao maquinário celular as instruções para produzir a molécula cuja receita está contida no gene.

Na prática, isso significa que a quantidade de cópias de mRNA correspondentes a determinado gene que estão circulando pela célula pode ser usada para medir o quanto aquele gene está ativo –quanto mais cópias de mRNA, mais acionado ele está.

Com essas ferramentas, foi possível enxergar os detalhes dos efeitos do zika sobre as células humanas.

Em primeiro lugar, não é só que o vírus saia matando indiscriminadamente as precursoras dos neurônios. A presença dele leva a uma interrupção no chamado ciclo celular -o processo delicadamente programado pelo qual as células fazem novas cópias do seu material genético e depois se dividem, dando origem a outras células. “A parada no ciclo é uma resposta da célula aos danos em seu DNA”, disse Rehen à Folha.

Outro processo complexo, a chamada neurogênese –na qual as células-tronco neurais dão origem a diferentes formas especializadas de neurônios–, também é derrubado pelo zika, a julgar pelos genes ligados a esse mecanismo que ficaram menos ativos nas neuroesferas infectadas.

Alguns genes parecem estar diretamente associados à capacidade de multiplicação do vírus. “Penso que o DDX6 é um bom alvo”, afirma Rehen, referindo-se a um desses genes, que, quando fica menos ativo, leva a uma menor replicação do vírus da dengue. Em tese, portanto, alguma intervenção envolvendo o DDX6 poderia ter efeito contra o vírus da zika.

FINANCIAMENTO

Com laboratórios no Rio, Rehen e Garcez têm sido afetados pela crise financeira do Estado e pelos problemas mais gerais de financiamento que têm preocupado a comunidade científica brasileira. A situação deles é um pouco menos grave por causa da prioridade que tem sido dada aos estudos sobre o zika.

“Boa parte dos recursos federais para zika tem sido repassada, com cortes. Infelizmente, no caso da Faperj [órgão estadual de fomento à pesquisa], nem isso. A porcentagem repassada até agora foi mínima e não permite o andamento das pesquisas”, diz Rehen.

Também assinam o estudo pesquisadores da Unicamp, da Fiocruz, do Instituto Evandro Chagas e da Universidade Federal do Pará. Os dados estão em artigo na revista especializada “Scientific Reports”.

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