Sobre Adrianas, Josés, todas nós, por Flávia Oliveira

06 de abril, 2017

Casos emblemáticos com figuras públicas fomentam o necessário debate sobre direitos da mulher

Não coube em março, desaguou em abril o par de lições com que o mês internacional da mulher brindou a sociedade brasileira neste 2017. Dois episódios envolvendo figuras públicas ensinaram ao país que o histórico de violações de direitos precisa ser superado. A caixa de ressonância, codinome opinião pública, anunciou que o novo tempo se avizinha. O recado veio pelas mãos, pelas vozes, pelo ativismo das feministas de ontem e hoje.

(Coluna Flávia Oliveira/O Globo, 06/04/2017 – acesse no site de origem)

Primeiro, a defesa da ex-primeira-dama do Estado do Rio, ré por corrupção, lavagem de dinheiro e pertencimento à organização criminosa, solicitou à Justiça a substituição de prisão provisória por domiciliar. O pedido se ancorou na Lei 13.257/16, o Estatuto da Primeira Infância, que garante a gestantes e mulheres com filhos menores de 12 anos o benefício de esperar em casa o julgamento. Adriana Ancelmo estava detida no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, desde dezembro de 2016. Após recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), voltou ao apartamento da família, no Leblon, na semana passada.

O caso da mulher do ex-governador Sérgio Cabral escancarou a desigualdade de acesso à Justiça entre quem tem e quem carece de poder econômico. Somente no Rio, 326 detentas teriam direito à prisão domiciliar, mas seguem em penitenciárias. Desde o ano passado, a Defensoria Pública estadual encaminhou 35 pedidos; foi atendida em 16. O movimento de mulheres negras, maioria entre as presas, gritou. Diante da repercussão, a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, solicitou em ofício à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que decisão semelhante seja estendida a todas as mulheres brasileiras na mesma situação.

No último dia de março, veio a público a denúncia de assédio da figurinista Susllem Tonani contra José Mayer, galã na televisão e no teatro. O corajoso depoimento da jovem de 28 anos ao blog “Agora é que são elas” tomou as redes sociais feito rastro de pólvora. Foi dar numa mobilização de funcionárias, atrizes, diretoras e executivas da TV Globo, que varreu a internet anteontem. O ator, de início, atribuiu à vítima uma espécie de confusão mental que o teria fundido ao personagem que ele encarnara na novela “A lei do amor”. Típico do machismo brasileiro. Dias depois, afastado por tempo indeterminado dos estúdios, desculpou-se em carta aberta por atos, palavras e pensamentos. No texto de 286 palavras, prometeu não reincidir.

Além de reconhecer a verdade na voz de quem feriu, Mayer calou seus defensores de primeira hora. São homens — e, infelizmente, também mulheres — que se acostumaram a culpar vítimas da violência de gênero pelos males a que são submetidas. Mulheres brasileiras são, historicamente, responsabilizadas pelos estupros que sofrem, pelas agressões que as machucam e matam, pelo assédio que as oprime.

Parte dessa cultura de brutalidade foi ferida de morte quando o debate ganhou escala ao envolver uma celebridade, até então, acima de qualquer suspeita. Brasil afora, homens pensarão antes de assediar, mulheres terão mais confiança em denunciar. Da mesma forma, o benefício concedido a Adriana Ancelmo escancarou as assimetrias do sistema judicial. Advogados, defensores, juízes, espera-se, terão novas e melhores interpretações da legislação.

As violações aos direitos das mulheres estão por aí, encobertas por leis que valem para poucas e por algozes inesperados, com os quais esbarramos diariamente, em casa, na rua, no ambiente de trabalho, no transporte coletivo. Casos emblemáticos com figuras públicas ajudam a descortiná-las, abrem as portas a um futuro de respeito e igualdade.

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