Sobre Elizas, Daniellas e Sandras, por Carlos Bezerra Jr.

25 de abril, 2017

Em 28 dezembro de 1992, a atriz Daniella Perez foi assassinada aos 22 anos. O seu corpo foi encontrado com 18 golpes de tesoura – oito perfurações no coração, quatro no pulmão, e mais quatro estocadas no pescoço. O ator Guilherme de Pádua e sua mulher à época, Paula Thomaz, foram julgados e condenados pela morte da atriz.

(Nexo Jornal, 25/04/2017 – Acesse o site de origem)

Os dois passaram sete anos na prisão. Depois de cumprirem um terço da pena, vivem em liberdade.

A jornalista Sandra Gomide tinha 32 anos quando foi assassinada pelo ex-namorado e também jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, então diretor de redação do jornal “O Estado de S. Paulo”. O crime aconteceu no dia 20 de agosto de 2000 em um haras na cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo. Pimenta Neves assumiu a autoria horas depois do crime.

Mas o julgamento só aconteceria seis anos depois. A sentença judicial foi aplicada 11 anos após o assassinato. Em 2015, a defesa de Pimenta Neves entrou com um pedido de progressão de pena do regime semiaberto para o aberto. O Tribunal de Justiça de São Paulo, entendendo que o condenado cumpria todos os requisitos legais, concedeu o benefício. Hoje o jornalista vive em sua casa na zona oeste da capital paulista.

Eliza Samudio foi assassinada aos 25 anos em 10 de junho de 2010, no interior de uma residência em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A jovem tinha 25 anos e pedia judicialmente o reconhecimento da paternidade do filho ao jogador Bruno, na época goleiro e capitão do Flamengo. Segundo acusados pelo crime, Eliza teria sido morta por estrangulamento, posteriormente esquartejada e partes de seu corpo teriam sido jogadas para cachorros.

Neste caso, vou me deter um pouco mais em razão dos fatos recentes. O goleiro Bruno, condenado a mais de 22 anos de prisão pela morte da ex-amante, havia sido solto, graças a uma liminar. Desde 2013, ele recorre da condenação dada em primeira instância. Como o recurso ainda não foi julgado, a prisão continuava sendo preventiva. O Supremo Tribunal Federal havia entendido que Bruno tinha passado tempo demais na cadeia para uma preventiva. Ele havia recebido, então, às vésperas do Carnaval, o direito de aguardar o julgamento do recurso em liberdade. Decisão reformada nesta terça-feira (25) pela 1ª Turma do STF.

Por três votos a um, o colegiado decidiu derrubar a liminar, levando o goleiro de volta à cadeia, como havia pedido o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O ministro Luiz Fux, um dos que votaram pelo retorno do goleiro à prisão disse: “Estamos diante de um crime hediondo. Não se dá liberdade provisória a crime hediondo”.

Anterior à decisão, já havia um amplo debate sobre o tema, mas não podemos reduzi-lo ao punitivismo, essa não é uma discussão sobre o quanto a sociedade deseja ver que os culpados paguem pelo que fizeram, desprezando possibilidades que estão na lei, como a premissa de responder o crime em liberdade, em alguns casos.

Não creio que estamos a pedir justiçamento, como alguns querem crer. No entanto, a que se questionar a justiça que mantém na prisão por no máximo cinco, seis ou sete anos homens que, assumidamente, mataram ou mandaram matar mulheres, ou seja, nos casos em que a culpa é incontroversa. E estamos nos referindo a casos emblemáticos.

503 MULHERES BRASILEIRAS VÍTIMAS A CADA HORA. ESTAMOS FALANDO DE 12.072 MULHERES AGREDIDAS POR DIA

Ressalto que não quero fazer aqui, usando esses casos, qualquer ilação que lance dúvida sobre centenas de outros. No entanto, sabemos bem o quanto os casos de maior repercussão representam para a sociedade, sobretudo quando o que está em jogo é a percepção que temos sobre justiça.

É preciso também considerar que esses crimes foram anteriores à Lei 13.104 de 09 de março de 2015, que alterou o artigo 121 do Código Penal, introduzindo uma nova qualificadora no crime de homicídio, conhecida como a “Lei do Feminicídio”, que aliás completou dois anos no mês de março que passou.

Mas apesar dos inegáveis avanços como a introdução da qualificadora no crime de homicídio e da Lei Maria da Penha, que no ano passado completou dez anos, vivemos em um país que possui estrondosos números de violência contra as mulheres, em grande parte silenciadas pelo manto do medo, pela socapa da covardia e pelo despreparo no atendimento em delegacias.

No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde.

E porque vivemos em um país em que ainda é preciso que milhares de mulheres gritem nas ruas para que não calem as vozes de meninas do Piauí, barbaramente violentadas e cruelmente atiradas de um penhasco de dez metros de altura, ou da jovem do Rio de Janeiro, covardemente dopada e brutalmente estuprada por 33 bandidos.

Uma em cada três mulheres sofreram algum tipo de violência em 2015, de acordo com pesquisa Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança. Se considerarmos os casos de agressões físicas, o número é aterrorizante: 503 mulheres brasileiras vítimas a cada hora. Estamos falando de 12.072 mulheres agredidas por dia.

É preciso compreender esse cenário como algo de fundo estrutural, refletir sobre nosso programa de direito penal que coíbe a violência contra a mulher e seus resultados efetivos, porque só dessa maneira sairemos de um debate de caso isolado, de ânimos mais inflamados, de momentos tensionados pela violência. Precisamos ir na raiz do problema, na formação das pessoas, na conduta de cada um de nós – homens e mulheres – que devemos ser plenamente conscientes sobre a igualdade de gênero e sobre o respeito em toda e qualquer esfera de relação. Sem essa base, teimaremos em falar mais do mesmo, alterando apenas datas e nomes.

Carlos Bezerra Jr. é médico ginecologista, deputado estadual, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, autor da lei paulista de Combate ao Trabalho Escravo, considerada referência mundial pela ONU.

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