Frota não nos calará, por Eleonora Menicucci e Sâmia Bomfim

10 de maio, 2017

O ator Alexandre Frota moveu e vem movendo ações contra feministas brasileiras que têm se pronunciado legitimamente escandalizadas diante do momento em que este foi a um programa de televisão e assumiu, para milhões de telespectadores, ter cometido um estupro. “Eu finalizei a mulher”, disse o ator – sob os aplausos do apresentador Rafinha Batos em programa exibido em 2014 (que também saudou absurdos homofóbicos e racistas proferidos pelo convidado da noite).

(#AGORAÉQUESÃOELAS, 10/05/2017 – acesse no site de origem)

Frota diz que tudo foi apenas uma brincadeira. Não foi. Trata-se sim de uma confissão de um crime. E mais: trata-se de apologia ao estupro, o crime cometido.

Estamos aqui, duas mulheres brasileiras, feministas, de diferentes gerações, com trajetórias distintas, filiadas a diferentes siglas políticas, mas aqui unidas. Primeiro pela luta contra a desigualdade social e de gênero e a violência contra a mulher. E, hoje, infelizmente, por sermos alvos de processos movidos por Frota porque reconhecemos o óbvio – Alexandre Frota é um estuprador confesso que quer silenciar nossas tentativas de responsabilizá-lo pelo que fez e de não deixar que o Brasil esqueça desse triste episódio.

Cada uma de nós vai contar sua história. E deixamos um apelo para que saibamos construir todas juntas uma maneira de resistir aos ataques deste sujeito e à adesão do sistema de justiça brasileiro à versão inaceitável dele da história: estupro, uma brincadeira.

Eu, Eleonora, Ex-Ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres no governo eleito de Dilma Rousseff, fui condenada a pagar ao ator Alexandre Frota indenização de R$ 10 mil por criticar um relato de estupro feito por ele durante um programa de entrevistas. A decisão foi proferida em 19 de abril e tornada pública nesta quinta-feira, 4 de maio.

A condenação veio após ter manifestado repúdio como ele descreveu, na ocasião, uma cena de sexo com uma mulher negra, mãe de santo, desacordada, incapaz de consentir ato algum. Um estupro, enfim. Diante da notícia, que rodou o país, de que Frota seria recebido pelo ministro da Educação do governo golpista de Temer – Mendonça Filho (DEM-PE) – para falar sobre os rumos das políticas educacionais brasileiras, em especial o projeto “Escola sem Partido”, manifestei minha indignação ao ver essa figura ocupando este espaço. Sendo ouvido a respeito de como devemos desenhar políticas para educar nossas crianças. E, enfim, lembrei de quem é Frota. Da confissão que fez em rede nacional. Afim de lembrar a todas e todos quem eram os conselheiros deste governo: um homem que disse “botei a mãe de santo de quatro, levantei a saia dela, agarrei ela pela nuca, botei o boneco para fora e comecei a sapecar” e “fiz tanta pressão na nuca da mulher que ela dormiu”.

Recebi a notícia com indignação e revolta inéditas. Eu, que dedico minha vida a  combater a cultura do estupro, a violência contra as mulheres e a luta pela justiça social  – incluindo, como Ministra de Estado, as articulações  que culminaram na definição do estupro como crime hediondo inafiançável em nosso país – me vi diante de um retrocesso que jamais imaginaria. Uma juíza mulher assinando uma sentença me condenando a pagar 10 mil reais com correção, reiterando tudo aquilo que lutamos contra. Tudo que rechaçamos. E que deveria ser combatido por todas nós. Tudo que nos vitimiza, tortura, mata.

Lamentavelmente, a condenação não atinge só a mim, mas as mulheres que lutam há séculos contra o estupro, contra as violências de gênero. Mas não se trata de uma flecha que nos atinge a nós mulheres somente. Essa sentença legitima e institucionaliza  a permanência da cultura do estupro e representa um momento triste para toda a nossa sociedade. Uma sociedade que trata mulheres com crueldade embrutece ela toda. Perde sua humanidade, que se esvai a cada risada daqueles que acham que estupro é brincadeira.

Eu, Sâmia , hoje vereadora de São Paulo, também fui perseguida por este sujeito. Em 2015, quando era somente mais uma jovem feminista que, como tantas outras, utilizava as ferramentas das redes sociais para fortalecer campanhas sobre os direitos das mulheres, criei um evento no facebook e um abaixo-assinado online que depois foi entregue ao Ministério Público de São Paulo pedindo a condenação de Alexandre Frota. As iniciativas ganharam repercussão e ampla adesão. Eu alegava que incitação ao estupro é um crime previsto no código penal e que a veiculação de cenas lamentáveis como aquelas alimentavam a cultura do estupro e naturalizavam a violência contra as mulheres negras.

Para minha surpresa, em uma completa inversão de valores e com uma correlação de forças absolutamente injusta e desfavorável, fui perseguida por Frota nas minhas redes sociais e, poucos meses depois, recebi a notícia de que um inquérito havia sido aberto contra mim por calúnia e difamação. Segundo Frota, eu havia destruído sua carreira artística (sic), interrompido contratos e causado grande prejuízo nos âmbitos material e pessoal. Para minha sorte, o delegado responsável pelo caso me recebeu na delegacia nas duas vezes em que estive presente, um pouco envergonhado de estar passando por aquela situação. Então, o processo não foi adiante. Ainda bem! Mas que sociedade é essa em que preciso me considerar uma mulher de sorte por não ser condenada por denunciar um estuprador?

Hoje sou vereadora da maior cidade da América Latina, vereadora feminista, e luto para conseguir implementar e garantir políticas públicas que assegurem a dignidade das mulheres vítimas de violência e para combater a cultura do estupro. Me sinto enojada e impotente diante de uma decisão como a que condena Eleonora e considera natural o que fez Alexandre Frota. Está acontecendo de novo. Me comovo por ela e por todas nós. As jovens feministas, como eu, e as nossas referências de luta como Eleonora. Porque querem nos calar. É preciso seguir lutando e resistindo dentro e fora dos espaços de poder e decisão. Precisamos ser muitas mulheres. Muitas feministas e estarmos muito unidas.

Nós, Eleonora e Samia, indagamos: quantas mais mulheres terão sido vítimas de brincadeiras de Frota? Quantas foram e serão vítimas de homens que, ao escutar o relato do ator, se sentem autorizados a ser igualmente violentos? Quantas mais feministas serão cerceadas em seu direito de defendê-las de Frota e seus similares?

#contraaculturadoestupro

Tolerância zero com a violência contra as mulheres.

Eleonora Menicucci é Ex-Ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres no governo eleito de Dilma Rousseff (PT) e Sâmia Bomfim é Vereadora da Cidade de São Paulo (PSOL).

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