04/08/2011 – Pauta antiaborto nunca esteve tão forte

04 de agosto, 2011

(Carta Capital) No Congresso Nacional, há 30 projetos de lei que, entre outras medidas, pedem a inclusão do aborto no rol de crimes hediondos, o endurecimento das penas aplicadas às mulheres que inter­rompem a gravidez ou aos profissionais de saúde que as auxiliem, o reco­nhecimento da vida desde a concepção, o que, em tese, inviabiliza as pesquisas com células-troco embrionárias, liberadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2008. O jornalista Rodrigo Martins, da Carta Capital, ouviu pesquisadores e líderes de movimentos feministas sobre o avanço da agenda conservadora e o retrocesso em matéria de direitos sexuais e reproduti­vos. Abaixo, trechos da entrevista:

“Desde o fim da ditadura, a pauta antiaborto nunca esteve tão forte.”

“Apenas um projeto prevê uma legislação mais branda. Apre­sentado em 2004, ele admite o aborto em caso de anomalia fetal, tema sobre o qual o STF deve se pronunciar antes do Legislativo. Nenhuma proposta prevê o abortamento sem restrições dentro de determinado tempo gestacional, como ocorre nos Estados Unidos e na maioria dos países da Europa Ocidental.” 

“Pesquisadores e movimentos fe­ministas organizam um abaixo-assinado contra o que chamam de “retrocesso em matéria de direitos sexuais e reproduti­vos”. Questionam, sobretudo, a tentati­va de acrescentar ao artigo 5° do texto constitucional a expressão “desde a con­cepção” na parte que trata da inviolabili­dade do direito à vida. A iniciativa, ava­liam, ‘pode criar barreiras desnecessá­rias para o acesso à contracepção e à an­ticoncepção de emergência’.”

“A medida está contemplada no pro­jeto do Estatuto do Nascituro, que pre­vê a possibilidade de o Poder Executivo conceder pensão à mãe que mantenha a gravidez decorrente de estupro até que o filho complete 21 anos.”

“A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro preparou, porém, um pa­recer contrário ao projeto para apresen­tar ao Congresso em breve. “A propos­ta atropela princípios ético-jurídicos e legitima a violência contra a mulher, ao se propor que ela seja ‘paga’ pelo Estado para ter um filho gerado por estupro”, diz Maíra Fernandes, presidente da co­missão de bioética da OAB- RJ.”

“A lei pretende inibir o aborto, mas isso não ocorre na prática. Trata-se de uma po­lítica criminal inócua. A mulher interrom­pe a gravidez de qualquer jeito, em clíni­cas clandestinas ou sozinha. Isso expõe a mãe a riscos desnecessários, sobretudo as mais pobres”, comenta o advogado Pedro Abramovay, secretário nacional de Justiça à época em que o projeto foi apresentado.”

Todos os anos, o Sistema Único de Saúde interna mais de 200 mil mulheres para realizar curetagens ou tratar com­plicações decorrentes de abortos, boa parte deles, senão a maioria, por proce­dimentos não autorizados pela lei. Os abortos mal-sucedidos matam 3,4 mu­lheres para cada 100 mil nascidos vivos e são uma das cinco principais causas de morte materna do País. Além disso, estu­do da Universidade de Brasília (UnB), di­vulgado em 2010, revela que uma em ca­da cinco brasileiras já abortou na vida. Dentre elas, 29% têm mais de 30 anos, 64% são casadas e 81% têm filhos.”

“Até quando vamos fingir que esse pro­blema de saúde pública não existe?”, per­gunta a advogada Beatriz Galli, integran­te do Comitê Latino-Americano e do Ca­ribe para a Defesa dos Direitos da Mulher. “Hoje, em Mato Grosso do Sul, continuam a ocorrer mais de mil processos contra mulheres que realizaram abortos desde o estouro de uma clínica clandestina em 2007, todas ela perseguidas após a polícia violar o sigilo dos prontuários médicos.”

“A persistência dessa lógica punitiva, avalia Galli, representa um descumpri­mento de acordos assumidos pelo Bra­sil, como as diretrizes aprovadas pelas Nações Unidas nas Conferências do Cai­ro (1994) e de Pequim (1995), nas quais os países assumiram o compromisso de en­carar o aborto como tema de saúde públi­ca e de rever as leis punitivas. Hoje, 61% da população mundial vive em nações que preveem o aborto sem restrições até certo período da gestação, segundo o Center for Reproductive Law and Police.

Com o crescimento da bancada religio­sa no Congresso – que aumentou sua re­presentação em mais de 50% nas últimas eleições -, a perspectiva de legalização do aborto está distante.

“A esperança, agora, é com o avanço desse debate nos demais países da Amé­rica Latina. A Cidade do México liberou o aborto recentemente. A Argentina es­tá prestes a votar uma legislação mais permissiva. Espero que o Brasil siga o exemplo dos países vizinhos e pare de criminalizar as mulheres”, avalia Maria José Rosado, da ONG Católicas pelo Di­reito de Decidir.

Leia a matéria completa: A infantaria antiaborto (Carta Capital – 04/08/2011)

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