Prefeitura de Campo Grande demite únicas tradutoras indígenas na Casa da Mulher

22 de junho, 2017

Criada durante o governo de Dilma Rousseff (PT) em 2015, a Casa da Mulher Brasileira (CMB) funciona em Campo Grande e atende mulheres em situação de violência doméstica. O projeto inovador chegou a contratar duas mulheres indígenas que auxiliavam na tradução das línguas Terena e Guarani. Em dezembro elas foram demitidas e a Casa da Mulher está há seis meses sem o serviço.

(Justificando, 22/06/2017 – acesse no site de origem)

A CMB funciona por meio de um convênio entre a Prefeitura de Campo Grande a União. Foi instalada em Mato Grosso do Sul por ser a quinta Unidade da Federação com mais casos de violência contra a mulher. O estado tem a segunda maior população indígena do país, cerca de 72 mil pessoas. Entre 2010 e 2014, os casos de violência contra a mulher indígena aumentaram cerca de 400%, segundo dados da própria Casa da Mulher.

Os dados sobre atendimento são bem mais tímidos. Entre 1º de abril de 2016 e junho deste ano, somente 83 mulheres indígenas foram atendidas na CMB. É que, para as mulheres indígenas, denunciar violência doméstica é uma soma de desafios. Às barreiras psicológicas soma-se a dificuldade linguística.

Dificuldade em buscar ajuda

Relatar uma situação de violência doméstica requer um trabalho específico junto às vítimas. Por isso a necessidade de acolhimento e atendimento psicossocial. Isto para todas as mulheres. No caso das mulheres indígenas, as diferenças culturais e barreiras idiomáticas tornam a busca de auxílio, muitas vezes, algo quase impossível.

É o que relata uma das mulheres demitidas, a Terena Sylmara Candido. Além de traduzir os idiomas indígenas, sua presença fazia as mulheres se sentirem mais seguras, por encontrarem semelhanças culturais:

– Quando nós chegamos lá não tinha tanta procura e com o tempo a gente foi percebendo que estava tendo, porque elas iam lá e encontravam pelo menos alguma recepção que conseguia falar com a mesma linguagem.

Sylmara atendia uma média de três mulheres por mês, durante o período vespertino. Ela afirma que a divulgação no interior do estado e nas aldeias começou a avançar, mas hoje permanece o principal desafio. Uma das conquistas foi a tradução de uma cartilha da Lei Maria da Penha para as línguas Terena e Guarani.

Ela considera que falta mais divulgação, principalmente nas aldeias. “Sempre questionei isso na época em que eu estava lá”, afirma. “A secretária era muito ligada às questões indígenas, mas, como teve troca política, envolve muita coisa né, então esse projeto não prosseguiu”.

A Terena relata um caso em que o próprio motorista da Casa do Índio, serviço ligado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), assediou uma mulher que era levada para o atendimento. Ela teve de pegar um táxi e chegou à CMB desnorteada:

– Nessa etapa [atendimento psicossocial], quando a psicóloga vê que é indígena, se precisar da gente ela chama, quando vê que ela não está entendendo o idioma, ou está tendo muita dificuldade. Se está muito machucada tem que levar pro hospital ou pro posto mais próximo. Então, sem ter alguma indígena ali, o atendimento às vezes já trava.

Risco de fechamento

Sylmara conta que cerca de 60 pessoas perderam o emprego no fim de 2016. A crise foi o argumento utilizado para justificar a dispensa. Nesse período, a CMB chegou a correr o risco de fechar as portas.

O governo Temer extinguiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres, responsável pelo programa “Mulher, Viver sem Violência”, que a Casa da Mulher criou em Campo Grande, Brasília e Curitiba. No local funcionam, integrados, todos os serviços públicos que investigam e punem a violência doméstica: Delegacia da Mulher, Defensoria, Ministério Público e Juizado.

A crise também diminuiu a representação das mulheres na Prefeitura de Campo Grande. A gestão do prefeito Marcos Trad (PSD) transformou a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres em uma subsecretaria.

A prefeitura informa, por meio da assessoria de imprensa, que não há contratação específica para tradutores, “mas havia indígenas contratadas para a função de recepcionistas, que realizavam o atendimento ao público em geral”. “Elas atuavam também nas situações que demandavam atendimento a mulheres índias que não se expressavam em português e se comunicavam na língua Terena”.

Segundo a prefeitura, as demissões ocorreram quando o governo federal encerrou um contrato com uma empresa terceirizada.

Isabela Sanches

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