27/08/2011 – ‘Minha mãe me levou pra ele’, conta mulher abusada pelo pai e absolvida por encomendar sua morte

27 de agosto, 2011

(O Globo/Folha de S.Paulo) A agricultora Severina Maria da Silva foi absolvida pela Justiça de Pernambuco da acusação de ter encomendado a morte do pai, Severino Pedro de Andrade, de quem engravidou 12 vezes e teve cinco filhos durante os 29 anos em que foi vítima de abusos sexuais e agressões. Os assassinos foram presos, julgados e condenados.

Severina começou a ser estuprada aos nove anos e, em 2005, contratou dois homens para matar o pai, ao perceber que ele assediava uma de suas filhas-netas.

No julgamento, até a Promotoria pediu a absolvição da acusada. O júri popular acatou a tese da defesa, de “inexigibilidade de conduta diversa”, ou seja, de que a ré não poderia ser condenada porque foi coagida desde a infância e agiu sem ter outra opção.

Especialistas avaliam que o júri teve respaldo para absolver a trabalhadora rural e não acreditam que o julgamento possa ser anulado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco em caso de recurso.

O presidente da Academia Paulista de Direto Criminal, Romualdo Sanches Calvo Filho, considera que com uma mudança instituída em 2008, os jurados passaram a ser questionados de forma direta se absolviam o acusado. Antes, as questões eram apenas sobre quem praticou o crime e se havia algum atenuante que justificasse a ação. “A mudança trouxe vários avanços. Entre elas, o fato de os jurados poderem julgar de acordo com livre convicção íntima, pessoal e subjetiva.”

Romualdo acredita que, se o caso fosse decidido por um juiz, a trabalhadora rural seria condenada porque ele não pode ter clemência ou misericórdia para decidir. “O juiz dificilmente absolveria. Fica engessado, limitado e restrito à letra fria, morta e impessoal da lei.”

Janaina Conceição Paschoal, professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo discorda e avalia que, em um julgamento técnico, Severina, em tese, também poderia ser absolvida. “Existe uma teoria que fala em ampliação da legítima defesa nos casos em que a mulher é vítima de violência por muito tempo e vive em estado constante de perigo. Normalmente, a legítima defesa só é aceita em caso de defesa imediata a uma agressão. Mas, por causa da força inferior e da dependência psicológica da mulher, são considerados os casos em que mulher coloca fogo no marido ou joga água quente quando ele está dormindo, por exemplo.”

Leia a seguir trechos do depoimento de Severina à reportagem da Folha de S.Paulo:

“Nunca estudei, nunca tive amiga, nunca arrumei namorado na vida, nunca saí para ir a festa. Até os 38 anos vivi assim e foi assim até quando me desliguei do meu pai, no dia em que ele foi morto.”

“À noite, minha mãe foi me buscar e me levou para ele, que me abusou. No outro dia, fui andar e não consegui. Falei: “Mãe, isso é um pecado”. E ela: “Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai”.”

“Os filhos nasciam e morriam. Os que vingavam foram se criando. Minha filha estava com 11 anos quando ele quis ser dono dela. Eu disse para ele: “Se você ameaçar a minha filha, você morre.” Meu pai me bateu três dias seguidos.”

“Peguei um dinheiro guardado e paguei ao Edilson R$ 800 na hora. Quando o pai chegou, Edilson e um amigo fizeram o homicídio. A minha filha, a filha dele, eu salvei. Quem é pai, quem é mãe, dói no coração.”

“Antes disso, eu ainda procurei os meus direitos, mas perdi. Há uns 15 anos, fui na delegacia, mas ouvi o delegado falar para eu ir embora com o velhinho (o pai), que era uma boa pessoa.”

Leia o depoimento na íntegra: ‘Minha mãe me levou pra ele’, conta mulher abusada pelo pai em PE (Folha.com – 27/08/2011)  

Acesse as matérias: 
Severina absolvida (Folha de S.Paulo – 27/08/2011)       
Júri que absolveu mulher que mandou matar o pai em Pernambuco não deve ser anulado, dizem especialistas (Globo.com – 26/08/2011)

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