Cidade Linda? Não para as mulheres em situação de violência, por Tainã Góis

14 de agosto, 2017

Desde que assumiu o cargo de “gestor de São Paulo”, termo que emprega para “modernizar” sua imagem como prefeito, João Dória vem atuando como o mais retrógrado dos políticos. Prova disso foi extinção da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, no início de sua gestão, que em nada se diferencia das administrações cegas às questões das mulheres – grande tradição política no Brasil.

(Justificando, 14/08/2017 – acesse no site de origem)

Sob coordenação da antiga Secretaria, os Centros de Cidadania da Mulher – CCMs e Centro de Referência da Mulher – CRMs estão passando por dias difíceis, sem recursos e pessoal para funcionar. Os CCMs são serviços destinados a promoção de igualdade, por meio de programas de capacitação para geração de renda, conquista de independência financeira e encontros políticos para participação ativa das mulheres na política. Já os CRMs atuam na acolhida e acompanhamento psicossocial e jurídico de mulheres em situação de violência.

Desde janeiro de 2017 Dória já havia encerrado as atividades do “Ônibus Lilás”, unidade móvel de atendimento de mulheres vítimas de violência. De abril de 2014 a dezembro de 2016 o programa atendeu 23 mil mulheres. E mais. Além do fechamento de alguns CRMs por completo, por total falta de recursos, Dória já anunciou o corte de mais R$ 30 milhões que seriam destinados aos Centros de Defesa e Convivência da Mulher – CDCM, também destinados ao acolhimento de mulheres em situação de violência. O prefeito pretende estrangular esses programas até que desapareçam.

Não se trata apenas de corte de verbas. A inauguração da Casa da Mulher Brasileira, também está sendo alvo de descaso. Construída com verba federal, destinada pelo governo Dilma para o programa “Mulher, Viver sem Violência”, como parte do cumprimento das diretrizes da Lei Maria da Penha – essa que fez aniversário a poucos dias, a abertura da casa, apesar de pronta, está sendo protelada pela prefeitura de Dória.

O que parece que o prefeito está ignorando é que a violência contra a mulher segue uma presente realidade no Brasil. As companheiras da União Brasileira de Mulheres e da Marcha Mundial de Mulheres, em evento criado para organizar a manifestação “Contra o Desmonte das Políticas de Enfrentamento à Violência”, que ocorreu semana passada, denunciam que nos primeiros 3 meses desse ano, a procura por esses serviços aumentou em 30%, e os casos de denúncia de estupro aumentaram 20% na cidade.

“O que parece que o prefeito está ignorando é que a violência contra a mulher segue uma presente realidade no Brasil”. (Foto: Agência Brasil)

Em pesquisa do Senado, de 2013, 58% dos entrevistados afirmaram conhecer alguma mulher agredida, e 18,6% das mulheres entrevistadas admitiam já ter sofrido algum tipo de violência. Segundo informações da pesquisa Violência Contra a Mulher no Brasil, feita pela Artigo 19, 43% das mulheres sofrem violência dentro do próprio lar. Além disso, 56% dos entrevistados afirmam que a proteção a mulher melhorou após a Lei Maria da Penha. Quer dizer, a violência é uma realidade cotidiana, e as políticas públicas funcionam para diminui-la.

Mesmo assim, ainda há quem diga que política e feminismo não tem nada a ver, que a luta pelo empoderamento das mulheres é muito mais uma luta individual que coletiva, muito mais uma luta “identitária” que uma luta social. Há ainda quem não enxergue o feminismo como a busca por modificar a sociedade, a economia, a política. Ao analisar a política de Dória para as mulheres, porém, percebemos que, muito mais que um corte de gastos, trata-se de um projeto político de impedir que os recursos do município sejam usados para promoção da igualdade de gênero.

Qual o motivo da prioridade de Dória de se colocar contra as mulheres?

Nesse contexto de “modernização” para todos os lados, somos levados a pensar que a opressão contra a mulher é algo do passado, que o patriarcado é um ranço de uma tradição retrógrada que vem sendo apagados pelos novos tempos. Grande armadilha do machismo, que esconde suas verdadeiras razões. O patriarcado é mantido diariamente pela violência, e tem função ativa em nossa sociedade atual: manter as estruturas socais rígidas, o conservadorismo do status quo.

É sempre importante lembrar da especificidade da violência contra a mulher. A grande maioria ocorrendo dentro de casa e perpetrada por familiares, a violência de gênero, além de traumas psicoemocionais e físicos, gera vergonha e culpa na mulher. Socializada no patriarcado para ser a responsável pelo bem-estar de toda a família e pela reprodução social, muitas vezes é obrigada a suportar calada as agressões, como se a violência fosse punição por seu suposto fracasso enquanto mulher.

As características dessa violência, que tem como fim manter a mulher presa ao ciclo de violência e às suas funções domésticas e de menor prestígio, mostra como a manutenção da opressão da mulher é um projeto de sociedade: obrigadas pela violência que acontece no privado, no público são vistas como “naturalmente” responsáveis pelos trabalhos não pagos ou muito mal remunerados, garantindo assim a sua super-exploração, e a de toda a classe trabalhadora.

Trata-se de uma questão extremamente política, e a ausência de políticas públicas de acolhimento para mulheres vítimas de violência, e de programas de capacitação para sua independentização financeira, tornam impossível que ela saia do ciclo de violência e rompa com os mecanismos de opressão de gênero e social, privada e a pública, individual e coletiva.

Nada moderno, ao que nos parece, o projeto político de um gestor é exatamente igual ao mais conservador projeto paulistano: manter as velhas elites no controle, por meio de violência; expulsar mulheres da cidadania, permitindo a perpetuação da violência.

Tainã Góis é advogada, mestranda em Direito Coletivo do Trabalho e membra da Rede Feminista de Juristas.

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