Crime contra mulher expõe relação de poder entre agressor e vítima

23 de agosto, 2017

feminicídio, ou seja, o assassinato de uma mulher por sua condição de gênero, não está relacionado à crise de segurança pública nem à epidemia de homicídios do país.

(Folha de S.Paulo, 23/08/2017 – acesse no site de origem)

tipificação deste crime no Código Penal também não tem motivação sexista, de tratar a morte da mulher como mais grave que a do homem.

Sua função seria a de dar nome a um tipo de homicídio que, diferentemente de mortes decorrentes da criminalidade violenta, tem características específicas ligadas à condição feminina e a uma cultura de tolerância à violência contra a mulher, o que pede um instrumental próprio.

Trata-se de um tipo de homicídio que ocorre no âmbito das relações íntimas e afetivas da vítima, ou que decorre de menosprezo e discriminação em relação à mulher.

É um crime do ambiente privado praticado por conhecidos da vítima, enquanto o homicídio comum, do qual os homens são maioria entre as vítimas, ocorre no espaço público e, em geral, por um agente desconhecido.

Muitos dos casos de feminicídio envolvem também violência sexual, o que evidencia uma relação de poder entre algoz e vítima, um dos aspectos da chamada desigualdade de gênero –cujo debate foi proscrito do Plano Nacional de Educação.

Essa desigualdade está expressa na recorrência das morte por estrangulamento, que pressupõe superioridade de força física do agressor.

O trabalho na apuração técnica desses crimes praticados fez a médica legista Luciana Campos Nascimento, chefe da equipe Oeste do IML paulista, identificar outros tipos de lesão sugestivas do feminicídio: múltiplas e contra órgãos genitais, seios e face.

Segundo ela, seguem este mesmo padrão as agressões graves contra mulheres, que não resultaram em morte.

“Há uma preferência por destruir a imagem da mulher, por desfigurá-la”, diz. Neste sentido, quando há uso de arma de fogo, o tiro costuma ser na cabeça”, explica, como se descrevesse duas das mortes dos últimos dias.

Em outros tempos, esses seriam tratados como crimes passionais, linguagem que romantiza a morte provocada por ciúme ou ações interpretadas como insubordinação.

“Não é crime motivado por amor ou paixão, mas pela manifestação de poder sobre uma mulher cujo comportamento é visto como afronta, como nos casos em que ela é infiel ou escolhe romper o relacionamento”, avalia a promotora Silvia Chakian, coordenadora do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica do MP-SP.

Chakian e outros especialistas em violência contra a mulher tratam essas mortes como “evitáveis”, porque ocorrem num contexto crônico de violência com sinais que antecipam o desfecho trágico.

Segundo a promotora, há dois tipos de vítimas: as que morrem em silêncio e as que gritaram por socorro. Em ambos os casos, a falha é do poder público. No primeiro porque não disponibilizou serviços de enfrentamento à violência com os quais a mulher pudesse contar e confiar. No segundo, porque houve falha no monitoramento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha.

“Não adianta estimularmos a mulher a denunciar e pedir ajuda se, na outra ponta, não existe uma rede de instituições funcionando de maneira adequada.”

Estimativas apontam que cerca de 13 dessas “mortes evitáveis” ocorram por dia no país. Celina Gama, que denunciou ameaça 11 dias antes de ser morta, é apenas uma delas.

Fernanda Mena

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