Feminicídio é um problema nosso e precisamos agir, por Sâmia Bonfim

28 de agosto, 2017

Precisamos estar cada vez mais juntas e muito bem articuladas para conseguirmos avançar as nossas lutas frente ao esquecimento e desmandos dos governos.

(HuffPost Brasil, 28/08/2017 – acesse no site de origem)

Nos últimos dias, foi noticiado o aumento do número de feminicídios em São Paulo. Os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado são alarmantes: registra-se cerca de um homicídio a cada quatro dias, a maioria das vítimas são jovens de 18 a 25 anos ou na casa dos 30. Além disso, constata-se que 63% dessas mulheres são agredidas e assassinadas dentro de sua própria residência. Somente nos últimos dois dias, foram publicizados quatro casos de feminicídio, todos eles cometidos pelos maridos.

Para muitas pessoas, principalmente homens, seus lares são sinônimo de segurança e liberdade. Para as mulheres, essa lógica não reflete a realidade. Muitas vezes, é dentro da própria casa que as demonstrações de força e poder dos homens sobre as mulheres se expressam de maneira mais violenta.

Em 2015, foi aprovada a Lei do Feminicídio, que torna crime hediondo o assassinato de mulheres motivado pela sua condição de gênero. E, além de aumentar a pena por homicídio, o torna crime inafiançável. Mesmo considerando uma vitória das mulheres, ainda há muito o que avançar, pois não há consenso por parte do Legislativo na caracterização do que, objetivamente, seja considerado feminicídio.

Outra conquista é Lei Maria da Penha. Promulgada há 11 anos, representa um passo muito importante na luta contra a violência doméstica. Ela não somente prevê a punição dos agressores, mas também faz avançar as formulações de prevenção e educação para que tenhamos uma sociedade livre de desigualdades, machismo e violência.

No entanto, foram poucas as políticas públicas desenvolvidas. O motivo é um só: a violência contra a mulher ainda não é prioridade dos órgãos públicos.

No Estado de São Paulo inteiro, só existem 133 DDMs(Delegacias de Defesa da Mulher), sendo nove delas na capital paulista. E apenas uma, localizada no centro da cidade, dispõe de atendimento 24h.

Em São Paulo, as regiões com maiores índices de violência contra a mulher estão na periferia, em São Miguel Paulista e Capão Redondo. Se uma mulher que reside nesses locais necessitar de algum serviço oferecido pela DDM em qualquer horário fora do expediente comercial, ela demorará cerca de três horas para se deslocar até o centro. Isso porque, em tese, é direito de todas as mulheres o acesso a estes serviços. É inadmissível a falta de comprometimento do governo Alckmin!

Precisa-se, também, questionar a formação dos profissionais que atuam nas delegacias e a forma como os atendimentos são realizados. Infelizmente, a Secretaria de Segurança Pública não pensa nestes assuntos, submetendo as mulheres a uma situação de dupla violência, uma vez que costumam ser mal orientadas e acabam não sabendo todos os direitos que possuem.

Ademais, é urgente a interligação entre todos os órgãos: saúde, justiça, segurança pública, educação e assistência social. Muitas vezes, o conhecimento do poder público sobre a situação de vulnerabilidade das mulheres parte do sistema de saúde, principalmente via saúde da família. Esses profissionais conseguem adentrar os lares e enxergar os sinais de violência. Logo, se existisse essa rede, os encaminhamentos de dados para essas mulheres deveriam ser muito mais qualificados.

Seguindo esta mesma lógica de esquecimento e sucateamento dos aparelhos públicos de combate à violência contra a mulher, o prefeito da capital, João Doria, não apenas extinguiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres, como também anunciou o corte de R$ 3 mi nos serviços que atendem as vítimas de violência, os centros de referência à mulher e de convivência.

Por essas razões que o nosso mandato tem tido diversas iniciativas para fortalecer a luta das mulheres. A partir de um bom diagnóstico sobre as políticas públicas do município, pretendemos entrar com propostas para conseguir intervir neste tema. Visamos garantir um sistema mais eficiente no que tange o atendimento de mulheres vítimas de violência.

Além disso, o nosso mandato já protocolou uma série de iniciativas. Uma delas é a Lei Maria da Penha nas Escolas, pois sabemos qual o papel que, atualmente, as escolas têm na perpetuação do machismo. Nossa ideia é reverter essa situação e pensar na educação como um instrumento de combate à violência. Por isso, faremos em setembro uma audiência pública sobre o projeto para debatermos como as escolas podem se apoderar do tema e do papel emancipador que cumprem na sociedade.

Outro projeto que protocolamos e está em tramitação é o Passe-Livre para mulheres vítimas de violência. Ele pretende assegurar um dos aspectos fundamentais para a autonomia da mulher vítima de violência: a locomoção pela cidade.

A gratuidade temporária no uso das linhas urbanas é importante para que esta mulher possa acompanhar o processo e usufruir de seus direitos ao acolhimento e ao apoio institucional. E, principalmente, para que possa procurar emprego para garantir suaindependência financeira.

Apesar dos números em relação à violência contra as mulheres serem assustadores, a verdade é que o movimento feminino vem se fortalecendo, e as mulheres, denunciando cada vez mais. Porém, é muito importante que o poder público também cumpra com as suas responsabilidades e ofereça políticas de combate à violência. Nesse sentido, nós precisamos estar cada vez mais juntas e muito bem articuladas para conseguirmos avançar as nossas lutas frente ao esquecimento e desmandos dos governos.

Sâmia Bonfim é feminista e vereadora de São Paulo eleita pelo PSOL

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