As mulheres são donas de uma São Paulo duas vezes menor do que os homens: por quê?

08 de novembro, 2017

A concentração de riqueza traz, em cidades como São Paulo, características relacionadas aos processos históricos de uso e ocupação do solo. Além da enorme má distribuição no número de imóveis entre os maiores proprietários e a massa da população (“um por cento dos donos de imóveis de São Paulo concentra 45% do valor imobiliário da cidade“), uma análise a partir da base de dados do IPTU (o Imposto Predial e Territorial Urbano) também revela enormes desigualdades entre as relações de gênero no acesso à propriedade de imóveis urbanos.

(Cepesp/FGV, 08/11/2017 – acesse no site de origem)

Combinando a base de dados de nomes mais populares no Brasil – feita pelo IBGE e sistematizada pelo site MedidaSP – à base das matrículas imobiliárias da Prefeitura de São Paulo (disponível desde 2016 no Geosampa), obteve-se uma estimativa do gênero do(a) proprietário(a) de 2,4 dos 2,8 milhões de imóveis urbanos da cidade possuídos por pelo menos uma pessoas física.

As mulheres são “donas de uma São Paulo” quase duas vezes menor do que os homens

Apesar de representar 52% da população da capital paulista, as mulheres possuem, apenas, 33% dos imóveis (aproximadamente 900 mil), ou 30% da área total construída. Um contingente de pessoas que representa mais de metade da população possui apenas um terço dos imóveis no mesmo território. Os homens, por outro lado, são donos de 55% (1,5 milhão) dos imóveis, ocupando 57% da área construída. A parcela restante dos imóveis pertence a pessoas física cujo gênero não foi identificado ou a pessoas jurídicas – uma vez que 10% dos imóveis da cidade são possuídos, conjuntamente, por uma PF e uma PJ.

Há também uma evidência de desigualdade regional nessa distribuição: o Mapa 1 indica, à primeira vista, a proporção de área construída possuída por mulheres é menor na periferia.

Mapa 1

No entanto, e uma vez que a proporção de mulheres não é igualmente distribuída na cidade, fizemos uso de duas ferramentas para verificar se há uma evidência estatística de concentração espacial: um índice chamado Quociente Locacional (QL, que é igual a 1 se a proporção de imóveis possuídos por mulheres for igual à proporção de mulheres na população adulta do Distrito), ao qual foi aplicado um mapa de clusters.

Os resultados, bem como a explicação do QL, podem ser verificados nos Mapas 2 e 3.

Essa análise aponta que há uma forte evidência de concentração espacial das áreas de QL mais alto no centro expandido da cidade. Ou seja, em São Paulo há uma enorme desigualdade entre gêneros na posse de imóveis, e uma forte evidência de desigualdade intra-gênero. Isso reflete a desigualdade econômica já muito evidenciada na cidade.

As desigualdades no acesso à propriedade imobiliária afetam tanto a distribuição da riqueza urbana, quanto o acesso físico à cidade e aos bens públicos nela providos. Quando há falta de acesso à propriedade imóvel também diminui o acesso à infraestrutura, especialmente de transporte e iluminação pública, às condições produtivas e à segurança pública.

Recentemente, a Conferência sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável – Habitat III, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu a chamada Nova Agenda Urbana, que deverá orientar especialmente governos sub-nacionais a tornar as cidades mais inclusivas. Seus objetivos incluem igualdade de gênero, entre os quais ganham destaque aqueles de promoção do acesso à moradia e à propriedade rural e urbana.

Além disso, a Conferência destaca a relação com o fortalecimento do planejamento urbano inclusivo por meio do uso de plataformas e ferramentas digitais com informações geoespaciais incluindo localização de equipamentos e serviços (parágrafo 156).

A ponte entre esse assunto e o tema abordado pode não ser evidente, mas a análise que evidencia as desigualdades entre e intra-gêneros só foi possível a partir da abertura da base de dados do IPTU e de seu georreferenciamento em plataformas digitais inovadoras como o GeoSampa.

Superar desigualdades relacionadas a questões estruturais na relação de poder entre gêneros, mais do que amenizar as diferenças, faz parte de uma agenda verdadeiramente transformadora para que toda a população, presente e futura, exerça o direito à cidade.

Texto de Priscila Spécie e Miguel Jacob. Priscila é doutora em Filosofia do Direito pela USP e foi Chefe de Gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Urbano na Prefeitura de São Paulo. Miguel é mestrando em Administração Pública e Governo na FGV-SP e pesquisador do CEPESP.

Leia o estudo completo dos pesquisadores clicando aqui.

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