Mortes de bebês e abortos por sífilis no Brasil triplicam em dez anos

30 de novembro, 2017

País registrou 1.499 óbitos de crianças que foram infectadas pela doença ainda no útero da mãe

(O Estado de S. Paulo, 30/11/2017 – acesse no site de origem)

A epidemia de sífilis que atinge o País fez o número de óbitos infantis e fetais pela doença congênita (transmitida pela mãe) triplicar nos últimos dez anos, segundo dados do Ministério da Saúde. Em 2006, foram 477 casos de crianças infectadas pela patologia que morreram ainda no útero da mãe, nasceram mortas ou faleceram até um ano após o parto. No ano passado, esse número passou para 1.499 bebês. O índice só não é maior do que o registrado em 2015 (1.620).

A categoria com o maior número de fatalidades no ano passado foi o aborto espontâneo por sífilis congênita, com 692 registros. Outros 622 bebês estão na categoria de natimortos. E 185 crianças morreram antes de completar 1 ano de idade. Segundo o Ministério da Saúde e especialistas ouvidos pelo Estado, o recente surto da doença e o aumento da mortalidade por sífilis congênita estão associados a quatro principais fatores: falta de penicilina no mercado, crescimento do comportamento sexual de risco no País, falhas na assistência à gestante e resistência de alguns profissionais de saúde em utilizar o medicamento indicado por risco de reação anafilática.

“Tivemos um período de desabastecimento de penicilina, desde o fim de 2014. As empresas não queriam vender o medicamento porque o valor estava muito baixo. Isso não foi um problema exclusivo do Brasil. Mais de 30 países tiveram essa dificuldade”, diz Adele Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do HIV/Aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde. O abastecimento, diz ela, só foi normalizado no início de 2017.

Segundo ela, metade das equipes de saúde que atuam em unidades de atenção básica tem resistência em aplicar o medicamento por receio de choque anafilático. Um parecer do Conselho Federal de Enfermagem previa que os profissionais deveriam aplicar o remédio somente em centros médicos com estrutura de primeiros socorros, o que intimidava os trabalhadores de postos de saúde a aplicar o tratamento às gestantes logo após o diagnóstico. Esse documento foi revogado em 2015, mas alguns profissionais ainda se recusam a atuar.

Para Jorge Senise, infectologista do núcleo de patologias infecciosas da gestação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o problema poderia ser minimizado com uma melhor assistência à mulher e à gestante. “Muitas vezes a grávida chega já tardiamente ao centro de saúde ou há demora para a realização do teste”, afirma.

Tristeza

Foi o caso, no Recife, da estudante Sinara Ferreira, de 21 anos, que descobriu a doença tardiamente durante a gestação. O bebê, do sexo masculino, nasceu no início de novembro, mas morreu cinco dias depois, vítima de complicações provocadas pela doença. “Não sabia que estava doente nem o que era essa doença. O médico passou uns remédios, mas só consegui no posto quase dois meses depois”, afirmou.

As complicações que acabaram com a morte do bebê, que nasceu prematuro, aos 8 meses, e com baixo peso, incluíam convulsões, febre alta e problemas renais. “Ele tremia muito. Tinha manchas vermelhas pela pele toda e não conseguia mamar porque tinha uma abertura perto da boca. Foi triste ver meu filho morrer por causa de uma doença que eu nem sabia que tinha e poderia ter sido evitada se tivesse tomado os remédios para me tratar a tempo.”

Para a comerciária Núbia Ferreira, de 32 anos, a descoberta da sífilis foi em setembro, dois dias antes da morte intrauterina de seu bebê, então com seis meses. “Eu havia feito alguns exames de sangue e quando entreguei ao médico ele falou que eu estava com sífilis. Fiquei muito assustada. Comecei o tratamento imediatamente, mas, para meu desespero, meu bebê morreu dois dias depois.”

Governo diz que comprou penicilina

O Ministério da Saúde afirmou que o abastecimento de penicilina já está normalizado no País desde o início de 2017. De acordo com Adele Benzaken, diretora do Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) da pasta, antes do recente surto as compras do antibiótico eram feitas pelos Estados e municípios.

A aquisição do insumo foi, no ano passado, centralizada pela pasta federal para aumentar o apelo para os laboratórios produtores. “Fizemos uma compra de emergência no ano passado e já está em andamento uma aquisição no valor de R$ 13 milhões para garantir o medicamento até o fim do ano que vem”, declarou.

A mais recente compra está em negociação com um laboratório público, a Fundação para o Remédio Popular (Furp).

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