Especialistas analisam os 15 anos da lei nº 10.639 que incluiu no currículo escolar a cultura e a história afro-brasileira e a questão racial no país

28 de março, 2018

Evento realizado no Dia Internacional Contra a Discriminação Racial (21/03) contou com a participação da professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, relatora da Comissão da lei, e do cubano Carlos Moore, especialista em história e cultura negra, além da atriz Taís Araújo, professores e gestores escolares

O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) em parceria com o Instituto Unibanco, SESC SP e Fundação Ford, reuniu nesta quarta-feira (21/03), em São Paulo, cerca de 250 participantes dentre especialistas, professores e estudantes para refletir sobre os 15 anos da Lei 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino da cultura e história afro-brasileira nas escolas do Ensino Fundamental e Ensino Médio do país. A lei garante uma ressignificação e valorização cultural das matrizes africanas que formam a diversidade cultural brasileira.

O evento Gente que Transforma a Educação: Experiências de Equidade Racial e de Gênero ocorreu no Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. O diretor do Sesc, Danilo Miranda, destacou que a desigualdade é o maior desafio do país e a racial é a mais profunda nesse universo. “A desigualdade desencadeia diversos problemas pelos quais nossa sociedade passa e convive todos os dias, como a violência”, disse.

Cida Bento, presidente do CEERT, destacou a importância da Lei 10.639 para promover a equidade racial nos dias atuais: “É importante que a história dos que nos antecederam seja iluminada na escola. Empoderar é se apropriar de si mesmo, estar bem com seu corpo e com seu grupo. Isso é expressivo e tem grande impacto na permanência na escola e na diminuição da evasão escolar de jovens negros e negras”, disse ela. “Nunca vi um momento tão ativo no país. As coisas estão acontecendo e não vão parar”, afirmou.

O investimento em gestão escolar para equidade racial nas escolas foi destacado pelo gerente do Instituto Unibanco, Tiago Borba, como forma de promover uma transformação na sociedade. “É preciso dar voz aos jovens para que surja um novo país, uma nova escola e uma nova legislação. O foco está nas juventudes, que precisam ser ouvidas e acolhidas”, disse. “A diversidade não é apenas um compromisso ético e político, é uma potência para transformar a sociedade”, disse.

RACISMO CRESCENTE

Um dos momentos de maior impacto no seminário foi a palestra do professor cubano Carlos Moore, pesquisador e cientista social conhecido internacionalmente por seus estudos sobre o pan-africanismo e pela luta contra o racismo. Ele ressaltou que vivemos um momento histórico em que o racismo é crescente e, da mesma forma, os mecanismos de luta antirracistas também deveriam ser.

“O racismo é um fenômeno dinâmico e permanente, por isso os mecanismos de luta contra ele também têm que ser dinâmicos e permanentes. O racismo surgiu há mais de 3 mil anos e está se fortalecendo e se adaptando às novas condições históricas. Mas a luta que era local agora é global”, afirmou ele, que é Doutor em Ciências Humanas e em Etnologia pela Universidade de Paris-7 (França), foi professor titular de relações internacionais da University of the West Indies e professor visitante da International University of Florida (EUA).

Moore também destacou a importância da educação para a transformação da sociedade. “Crianças e adolescentes são o primeiro andar de um edifício de 50 andares. Se eles não forem fortalecidos, o edifício não aguentará para sempre”, completou.

A professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Petronilha Gonçalves, integrante da comissão que elaborou o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) para as diretrizes curriculares da proposta da Lei 10.639/03, participou do debate Aprendizagens da Comunidade Escolar. Ela destacou que os gestores, os professores e o projeto político-pedagógico das escolas devem contemplar as questões étnico-raciais. “A formação do professor não se dá em cursos teóricos apenas, mas no dia-a-dia, no convívio com os alunos e na execução de projetos. O gestor comprometido contempla as questões étnico-raciais no projeto político pedagógico da escola”, afirmou.

Neca Setubal, presidente do conselho do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), lembrou a importância de ressaltar as questões de gênero em um momento em que alguns municípios chegam a proibir essa discussão.

EXPERIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO

Durante o seminário foram apresentadas experiências das sete edições do Prêmio Educar para Igualdade Racial e de Gênero. Lançado em 2002, possui um acervo de três mil práticas escolares voltadas à promoção da igualdade étnico-racial e é reconhecido pelo Ministério da Educação como uma das principais iniciativas voltadas à equidade racial.

Para os gestores escolares, a valorização da diversidade, da cultura e história afro-brasileira contribui para reduzir a evasão escolar e melhorar o desempenho de crianças, adolescentes e jovens negros e negras nas escolas. A professora Odalícia Conceição, da Escola Estadual Jornalista Rômulo Maiorana de Ananindeua/PA, destacou que ainda é preciso que os docentes se apropriem da Lei 10.639. “É o esforço de cada professor que vai qualificar a aplicação da lei”, afirmou.

Valter Silvério, professor do departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fez um balanço das duas edições do edital “Gestão Escolar para a Equidade: Juventude Negra”, parceria entre o Baobá Fundo para Equidade Racial, o Instituto Unibanco e a UFSCar, que já contemplou 20 projetos em todas as regiões do país que visam o enfrentamento das desigualdades raciais no ambiente escolar na rede pública de Ensino Médio. Segundo Silvério, o sucesso de cada proposta está relacionado a menor ou maior participação dos gestores escolares. “É importante o envolvimento de toda a comunidade escolar, além da gestão, para que os projetos possam se manter ativos e alcancem resultados”, defendeu ele.

Cida Bento encerrou o debate com uma reflexão sobre a necessidade de reforçar a identidade dos alunos e alunas afro-descendentes desde a educação infantil, principal objetivo da Lei 10.639.

“A experiência dos antepassados deve ser iluminada para os alunos. Todos devem saber de onde vieram porque quando temos raízes temos mais força para lutar. Isso nada mais é do que se apropriar de si, de suas heranças. Os livros didáticos junto ao incentivo dos professores são fundamentais para que a eficiência da lei seja efetiva”, afirmou a coordenadora do CEERT.

SOBRE OS PARCEIROS

Instituto Unibanco – O Instituto Unibanco, fundado há 35 anos, é uma das instituições responsáveis pelo investimento social privado do Itaú-Unibanco. É uma organização sem fins lucrativos que atua com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade da educação pública no Brasil. Com foco na melhoria dos resultados de aprendizagem e na produção de conhecimento sobre o Ensino Médio, dedica-se a elaborar e implementar, gratuitamente, soluções de gestão – na rede de ensino, na escola e na sala de aula – comprometidas com a capacidade efetiva das escolas públicas de garantir o direito à aprendizagem de todos os estudantes.

CEERT – Criado em 1990, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT é uma organização não-governamental que produz conhecimento, desenvolve projetos nas áreas de acesso da população negra à Justiça, ao direito de igualdade racial, à liberdade de crença, de implementação de políticas públicas, de educação, saúde e relações de trabalho.

Fundação Ford – A Fundação coloca a justiça racial no centro dos esforços para promover a democracia e a igualdade no Brasil. Além de apoiar o surgimento e o crescimento de novas e poderosas vozes e narrativas em ambientes urbanos e rurais, a Fundação Ford trabalha para conectar líderes de justiça social, movimentos e instituições-chave. Isso inclui um foco particular no fortalecimento da liderança de jovens e mulheres negras das favelas do Brasil e das periferias urbanas.

SESC – Fruto de um sólido projeto cultural e educativo que trouxe, desde sua criação pelo empresariado do comércio e serviços em 1946, a marca da inovação e da transformação social, o Sesc inovou ao introduzir novos modelos de ação cultural e sublinhou, na década de 1980, a educação como pressuposto para a transformação social. No Estado de São Paulo, conta com uma rede de 36 unidades, em sua maioria centros culturais e desportivos. O Sesc desenvolve uma ação de educação informal e permanente com intuito de valorizar as pessoas ao estimular a autonomia pessoal, a interação e o contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir.

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