Agressão à MC Carol expõe falhas no atendimento a mulheres vítimas de violência nas delegacias

05 de abril, 2018

“Estava diante um psicopata, que me batia, falava que ia me matar e ao mesmo tempo chorava e me acariciava”, relata MC Carol, cantora que teve a casa invadida pelo ex-marido, Alexsandro de Oliveira, na madrugada de quarta-feira em Niterói, no Rio de Janeiro. Ele conseguiu passar pela cerca elétrica, instalada após ter feito ameaças a ex, e acordou Carol com um facão dizendo que a mataria.

(The Intercept Brasil, 05/04/2018 – acesse no site de origem)

Um amigo que estava na casa conseguiu fugir e pediu ajuda a uma viatura. Alexsandro foi preso em flagrante por lesão corporal e ameaça, mas não vai responder por tentativa de feminicídio. A Polícia Civil entendeu que “os ferimentos das mãos ocorreram pois a própria vítima, por temer que o autor utilizasse a faca,  pegou o objeto e jogou para longe do alcance do autor, ferindo assim suas mãos”.

Como a Lei do feminicídio é relativamente nova (de 2015), nem sempre a prática é reconhecida. Segundo o Raio X do feminicídio, publicado neste mês pelo Ministério Público de São Paulo, 45% dos casos de feminicídio acontecem após separação ou pedido de separação, 30% por ciúmes e 17% durante discussões. A maior parte dos ataques acontecem na casa da vítima, com o uso de facas e foices.

“Ele invadiu minha casa, me bateu, tentou me esfaquear. Se isso não é tentativa de homicídio, isso é o quê?”

“Eu não sei por que foi registrado como lesão corporal. Falaram pra mim que ele precisava ter me cortado profundamente. Ele invadiu minha casa, me bateu, tentou me esfaquear. Se isso não é tentativa de homicídio, isso é o quê? Eu tenho impressão de que quando é uma mulher negra sempre tentam banalizar. Tanto que os maiores índices de feminicídio são de mulheres negras. Isso tem a ver”, questiona a cantora em entrevista ao The Intercept Brasil.

Dra CAROLINA PEREIRA CAVALCANTE, NAO FOI LESÃO CORPORAL, FOI TENTATIVA DE HOMICÍDIO!

Uma publicação compartilhada por MC Carol (@mccaroldeniteroioficial) em

O caso de Carol está sendo investigado  76ª DP, em Niterói, a mesma onde ela diz já ter pedido medida protetiva há cerca de um mês, após ser ameaçada por Alexsandro. Após a separação e as primeiras ameaças, a MC instalou cerca elétrica e passou a trancar as janelas com cadeado, o que não foi suficiente para deter Alexsandro. O ex da cantora estaria com ciúmes por causa de postagens em redes sociais.

“Ele falava ‘faz videozinho agora, tira foto agora’, sempre com o facão apontado para mim”, contou Carol.

Minimização

O Raio X do Feminicídio do MPSP concluiu que o feminicídio é um crime evitável e mostra que “romper com o silêncio e deferir medidas de proteção é uma das estratégias mais efetivas na prevenção da morte de mulheres”.

Apesar disso, assim como MC Carol, mulheres passam por cima do medo de sofrer retaliação, do sentimento de culpa que muitas carregam por acharem que de alguma forma contribuíram para que o crime contra elas acontecesse. Porém, ao denunciar o agressor, muitas esbarram no mau atendimento de profissionais que tentam amenizar o que elas sofreram.

“O fato de colocarem como lesão corporal uma coisa que não é não é nenhuma novidade. Há uma ideia de que a mulher esteja aumentando o fato, de que não seja algo tão grave assim. A violência começa quando a mulher é desacreditada”, explica Marisa Gaudio, presidente da OAB Mulher no Rio de Janeiro, querecolhe denúncias de mau atendimento a mulheres vítimas de agressão em delegacias do Rio de Janeiro.

A dificuldade no registro se estende também para a Lei Maria da Penha. Nas redes sociais de Carol, seguidoras relataram, depois do crime, situações que demonstram o despreparo de policiais para lidar com casos de agressões a mulheres. “Tanto o delegado, como os policiais, ficaram me indagando o tempo todo tentando (fazer) com que eu assumisse que a culpa era minha”, disse uma moça em um dos comentários. Outra relatou ter pedido ajuda a PMs na rua que disseram que nada podiam fazer: “meu ex estava quebrando toda a casa, e tacando fogo, sai correndo. Tinha uma viatura na esquina, pedi ajuda e o policial disse ‘é a casa dele’”.

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“O que a gente percebe é um mau atendimento em delegacias. É você querer registrar uma violência psicológica e não conseguir ou uma mulher chegar de madrugada para prestar queixa e o inspetor mandar ela de volta para casa para se acertar com o marido. Existe uma má vontade muito grande em delegacia contra todo tipo de crime contra a mulher. Até porque a maioria das pessoas que estão na outra ponta são homens e isso se reflete”, completa Gaudio.

A classificação incorreta do crime cria um falso cenário e leva a um número de registros menor que o real, o que atrapalha o desenvolvimento de políticas públicas. Além disso, interfere na pena do agressor, e a vítima pode não receber a medida protetiva correta ou vir a desacreditar no sistema de justiça.

“A gente quer ter uma visão real do problema, apresentar ao poder público e mostrar que precisamos treinar os profissionais que não sabem lidar com mulheres vítimas de violência, seja por falta de capacitação ou pelo machismo nosso de cada dia”, explica a presidente da OAB-Mulher.

Juliana Gonçalves

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