Estado é condenado por revista abusiva a negro

17 de abril, 2018

A vítima foi abordada por PMs quando tinha 13 anos e ia com o pai para o Estádio do Pacaembu; laudo apontou estresse pós-traumático

(O Estado de S. Paulo, 17/04/2018 – acesse no site de origem)

A 10.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o Estado deve pagar R$ 15 mil a um jovem negro que foi vítima de revista abusiva da Polícia Militar. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), o acórdão é inédito no País e abre precedente para outras ações.

A vítima foi abordada quando tinha 13 anos e ia com o pai para o Estádio do Pacaembu, em São Paulo, assistir a um jogo do Corinthians em 8 de maio de 2010. “O policial sacou a pistola e caminhou em direção ao meu filho, apontando a arma para a sua cabeça”, afirmou o advogado Sinvaldo José Firmo, de 55 anos. Pai e filho haviam desembarcado na Estação Marechal Deodoro do Metrô e iam a pé para o estádio, onde o Corinthians enfrentaria o Flamengo pela Taça Libertadores.

O menino – hoje o estudante de Ciências Contábeis Nathan Palmares da Silva Firmo – ia na frente. Vestia um moletom e levava as mãos no bolso. “Pare, tire a mão do bolso, levante para o alto e encoste na parede”, gritou o policial.

Sinvaldo viu a abordagem do filho e se apresentou aos policiais. “Disse que era o pai do menino e advogado”, contou. Sua intervenção teria irritado os PMs, que começaram a zombar dele. “Você é mesmo advogado? Então também vai ser revistado.” Sinvaldo é negro como o filho e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB, além de ser especialista em crimes raciais e participante da ONG Instituto do Negro Padre Batista.

O acórdão do Tribunal de Justiça descreve que o advogado foi empurrado para a parede e obrigado a ficar com as mãos na cabeça. Quando tentou apanhar o celular para telefonar para a OAB, a fim de pedir ajuda, Sinvaldo foi impedido por um dos policiais – que apontou uma espingarda calibre 12 para sua cabeça. “Pode denunciar para quem quiser, mas não vai telefonar.”

Depois da abordagem, Nathan desistiu de ir ao jogo, e pai e filho voltaram para casa. O menino começou a apresentar alterações de comportamento e um psiquiatra diagnosticou como síndrome de estresse pós-traumático, causada pela violência da abordagem. “Meu filho mudou. Aquele evento deixou sequelas.”

Histórico

Para a desembargadora Teresa Ramos Marques, relatora do caso, a “PM possui um histórico negativo em relação à comunidade negra” e citou declaração recente do comandante da Rota, tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, “para quem a abordagem nos Jardins (bairro de classe alta) tem de ser diferente da periferia”. Além disso, o laudo demonstrava o dano causado ao jovem.

Mesmo com o arquivamento das investigações feitas pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Ministério Público sobre o caso, a desembargadora considerou que estava demonstrada “a abordagem abusiva dos agentes estatais (conduta), o dano causado (estresse pós-traumático), bem como o nexo de causalidade entre um e outro”. Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Martin de Almeida Sampaio, a decisão do TJ é um marco no País. “Ela é muito importante na afirmação dos direitos humanos e na luta contra o preconceito.”

À Fazenda Pública, condenada no caso, cabe apenas o recurso do embargo de declaração. A Procuradoria-Geral do Estado informou que não tem ainda conhecimento do acórdão e só se manifestará depois de examinar a decisão.

De acordo com o advogado de Nathan, Lino Pinheiro da Silva, o valor da indenização ainda deve ser acrescido de juros. O Estado procurou a Secretaria da Segurança Pública para saber sua posição, mas não obteve resposta até 19 horas.

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