Mães relatam violência obstétrica, física e psicológica durante trabalho de parto no Acre: ‘não tive mais filhos’

17 de setembro, 2018

Xingamentos, piadas, pedidos negados de remédios. Estes são alguns dos relatos sofridos por mães durante o parto. MP-AC vai fazer audiência pública para debater o tema com profissionais da saúde.

(G1, 17/09/2018 – acesse no site de origem)

Piadas, violência física e negligência médica são alguns dos relatos de mães que sofreram com a violência obstétrica durante o parto em Rio Branco. A jovem Alline Lázari, de 27 anos, diz que não teve mais filhos após o sofrimento do parto do primeiro, que nasceu prematuro e morreu um mês depois.

A violência obstétrica é o tema de uma audiência pública feita pelo Ministério Público do Acre (MP-AC) na terça-feira (18), no auditório do órgão no Centro de Rio Branco. O objetivo é dar visibilidade e expor ações, estudos e discussões sobre a violência obstétrica, enquanto violência de gênero e discriminação contra a mulher.

Alline conta que ouviu de enfermeiras comentários como: “ esse menino vai nascer morto” e que teve até o pedido de medicamentos negado. A jovem começou a ter problemas com 25 semanas de gravidez e quando completou 27 semanas o menino nasceu.

A mãe conta que nem sequer teve o primeiro contato com o bebê após o nascimento. “Uma enfermeira falou comigo e perguntou da idade gestacional. Eu falei e ela respondeu: ‘tu sabe que esse menino vai nascer morto, né?’. Aí minha irmã olhou para ela e perguntou se ela estava ficando doida. Ela falou que doidas éramos nós por acreditar que o bebê vinha vivo, pois ele era muito novinho e a infecção era alta e que era para eu me preparar. Aquilo acabou comigo”, relata.

‘Que fedor’, xingou enfermeira

Depois de pedir medicamentos para ter logo o filho, com medo de que ele morresse ainda na barriga, Alline afirma que teve o pedido negado e que ao ir ao banheiro sentiu a cabeça do bebê saindo.

“Eu não conseguia levantar do vaso, ele [marido] correu. A enfermeira veio e falou: “nossa que fedor”, pois como meu líquido estava muito inflamado o quarto fedia muito mesmo. Ela falou: “sai daí, você vai cagar seu filho” e saiu. Mandou eu ir para cama, meu marido me levou para a cama e quando olhei ela tinha ido embora”, lembra.

Depois de tudo isso, a sogra de uma amiga de Alline que trabalhava na maternidade é quem a ajudou e fez o parto dela. A jovem desmaiou e depois foi levada para o banho pelo marido e sogra da amiga, no caminho novamente quase teve o bebê.

“Ela, sogra da minha amiga, me virou de lado e me ensinou a fazer força para ter o bebê, ela fez o meu parto e não uma enfermeira obstétrica da maternidade nem médica. Ela, sogra da amiga, começou a gritar que o bebê tinha coroado no número do meu quarto. Meu bebê nasceu chorando, eles não colocaram ele em mim, eles correram com ele para UTI. A violência psicológica que eu sofri foi muito grande”, lamenta.

Alline não quis mais filhos até o mês passado, quando decidiu suspender o anticoncepcional. Ela e o marido fazem planejamento familiar e tentaram superar o luto.

“Não tive mais filhos, há apenas um mês tive coragem de suspender o anticoncepcional. Foi muito difícil passar pelo luto, o bebê morreu um mês depois. Foi difícil se despedir e é difícil lembrar. Como a gente já passou por isso, aprendemos muita coisa e a exigir nossos direitos. A gente criou coragem para tentar ter outro filho, mas não estou 100% livre do trauma”, afirma.

‘Fizeram um corte e o sangue jorrou’, diz mãe

Uma outra mãe, que não quis ser identificada, relatou que sofreu violência psicológica e física quando fizeram um corte na vagina dela para tentar fazer o bebê, que era grande demais e estava enrolado no cordão umbilical, sair pela vagina dela.

“Me forçaram de todas as formas a ter normal. Eu tive hemorragia, meu filho ia morrendo, nasceu roxo sem respirar, pois faltou oxigênio e dentro da sala todos na maior ignorância como se fizessem um favor pra mim. Minha mãe bateu boca com a enfermeira, me fizeram um corte de quase um dedo que jorrou sangue para todo canto”, lembra.

Quase desmaiada na maca, a mulher lembra que as enfermeiras entraram em desespero, pois não havia mais tempo para cesárea e o bebê estava preso sem respirar com metade da cabeça dentro do canal vaginal e a outra metade do lado de fora.

“Tenho sequelas psicológicas, não tem como esquecer. Meu filho tem 7 anos anos e nunca esqueci, lembro o rosto de todas as enfermeiras que continuam trabalhando no hospital. Enquanto nada for feito a situação não vai mudar, ninguém foi demitido, só eu sei o que passei e fica apenas a revolta”, destaca.

Audiência pública

O promotor de Saúde Gláucio Oshiro destaca que a a violência obstétrica pode se manifestar pelos mais diversos comportamentos, tanto pela estrutura de uma maternidade, quanto por parte de seus próprios profissionais.

“A violência vai desde a conduta mais velada como humilhações profundas, agressões verbais ocorridas no atendimento, quanto no comportamento de violação da integridade física tanto da mulher como da criança, por exemplo, um parto cesáreo sem indicação clínica. Ou um induzimento com medicações sem indicações, a episiotomia que é o corte no períneo sem necessidade médica”, destaca.

A audiência, segundo ele, quer esclarecer e dialogar para identificar esses casos de violência que são chamados de demandas invisíveis, pois muitas vezes não chegam até as autoridades. Segundo ele, muitas vezes as pacientes e acompanhantes sequer sabem que estão sendo objetos das violações.

“Convidamos os profissionais e gestores da Saúde para também contribuírem e exporem suas dificuldades no momento do acolhimento e atendimento para que a gente possa, nesse amplo diálogo, somar esforços, construir um agenda positiva e definir estratégias”, finaliza.

Quésia Melo

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