O que mudou com a lei de ‘importunação sexual’ e como denunciar

05 de novembro, 2018

No primeiro mês da lei, 36 casos foram registrados em ônibus, trens e metrôs da Grande São Paulo.

(HuffPost Brasil, 05/11/2018 – acesse no site de origem)

A legislação que prevê pena de prisão para quem assediar mulheres na rua ou no transporte público completou um mês na semana passada. Desde que entrou em vigor, 36 casos foram registrados nos ônibus, trens e metrôs da Grande São Paulo.

A descrição do crime de importunação sexual na lei 13.718/2018 é ampla e abrange atos violentos infelizmente já conhecidos das mulheres mas que, quando denunciados anteriormente, eram punidos apenas com multa.

“Encoxar, apalpar, ejacular, tudo isso está incluso nesse novo tipo penal de importunação”, explica a promotora do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian.

Mas o que mais mudou com a lei? E como as vítimas podem denunciar essas agressões? Além de Chakian, o HuffPost Brasil conversou a delegada Jacqueline Valadares da Silva, da 2º Delegacia de Defesa da Mulher da cidade de São Paulo, a defensora pública Paula Machado Souza, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo, e com a advogada Ana Paula Braga, da Rede Feminista de Jurista (DeFEMde) para esclarecer essas e outras dúvidas. Veja abaixo:

1. O que é importunação sexual? E o que mudou com a lei?

É a prática de ato libidinoso contra alguém, sem o seu consentimento, com o objetivo de satisfazer o próprio desejo ou de outra pessoa. Antes da lei 13.718/2018, não havia um tipo de crime para enquadrar as situações de assédio no espaço público. “Havia duas figuras penais muito extremas entre si: uma era a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, que tinha pena de multa, e, no outro extremo, tinha o crime de estupro, que é um dos mais graves do nosso ordenamento jurídico”, explica a advogada Ana Paula Braga. Com a legislação, a contravenção penal foi revogada e os casos passam a ser tratados como crimes, com pena de um a cinco anos de prisão.

2. É preciso que o agressor encoste na vítima para que se configure o crime?

Não necessariamente. Para se configurar o crime de importunação sexual, é preciso que o agressor realize algum ato libidinoso – ou seja, de cunho sexual – contra a vítima. Pode ser a encoxada, a mão no peito, a mão na bunda, nas pernas, mas também pode ser o caso em que agressor se masturba e ejacula na vítima, mesmo que não encoste no corpo dela, afirma a delegada Jacqueline Valadares da Silva. Ela lembra que, se o autor da agressão usar violência ou grave ameaça em algum momento contra a vítima, passa a ser responsabilizado pelo crime de estupro.

3. O que a mulher deve fazer ao passar por uma situação como essa?

O mais comum é que esse tipo de situação aconteça no transporte público. Nesses casos, a vítima deve pedir ajuda aos passageiros e aos funcionários – o motorista do ônibus ou os agentes nas plataformas do trem e do metrô – no momento da agressão. Os agentes das empresas devem acolher a vítima, deter o agressor, chamar a polícia ou encaminhá-los para a delegacia mais próxima, para que ela registre um boletim de ocorrência e ele seja preso em flagrante.

4. Se não fiz a denúncia na hora, posso registrar depois ou é preciso o flagrante? Devo ir a uma delegacia da mulher?

A vítima não é obrigada a fazer a denúncia na hora. Ela pode posteriormente ir a uma delegacia de sua escolha, no seu bairro, ou nas especializadas na defesa da mulher ou em crimes de transporte público. Em qualquer uma delas, ela deve ser acolhida e ter sua denúncia registrada.

Porém, não há previsão legal para que a vítima exija ser atendida por uma mulher nestes locais. O acolhimento tende a ser mais adequado na delegacia da mulher, que pressupõe um atendimento especializado para essas vítimas. Também é possível registrar o caso pelos telefones 180 e Disque 100, mas isso também exigirá que a vítima vá à delegacia posteriormente, quando for intimada.

A promotora Silvia Chakian ressalta, no entanto, que o flagrante é ideal para esses casos, pois facilita a identificação do autor da agressão. Mas em uma situação como essa, não é raro a vítima ficar paralisada, sem saber como agir. Por isso, Chakian considera importante que os passageiros também se mobilizem e se manifestem quando presenciarem esse tipo de violência, acolhendo a vítima e denunciando o autor.

“A pessoa que presencia um ato desse não deve se omitir e deve estar junto com a mulher”, reforça a defensora Paula Machado Souza.

5. É preciso apresentar provas ou testemunhas?

Quando a mulher registrar a ocorrência na delegacia, a Polícia Civil pode solicitar as imagens do circuito interno à empresa de transporte público. Fotos e vídeos feitos com celular também pode ser apresentados. “Todo o material comprobatório ajuda nas investigações, para que a gente possa identificar esse agressor. Até porque, não é incomum que esse tipo de agressor cometa o mesmo ato mais de uma vez e é possível que ele esteja identificado em uma outra ocorrência”, afirma Valadares da Silva.

A delegada ressalta que, nos casos em que o agressor ejacula na vítima, é fundamental que ela procure a polícia imediatamente para que o material biológico seja coletado e, principalmente, para que ela seja encaminhada para realização de tratamento profilático contra eventuais doenças sexualmente transmissíveis.

Para Souza, da Defensoria Pública, embora o material biológico seja uma prova importante, não é possível orientar que a vítima permaneça com os vestígios dessa agressão até ser atendida pela autoridade policial. “Seria mais uma violência”, afirma.

Ela considera que, nesses casos, fotos, vídeos, e as próprias testemunhas podem substituir essa prova material no processo. As testemunhas não são obrigatórias, mas ajudam, observa a delegada. Se não puderem comparecer à delegacia junto com a vítima, podem ser indicadas por ela na hora do registro, com nome, endereço e telefone para contato.

6. O que acontece depois que o boletim de ocorrência for registrado?

Depois do boletim de ocorrência registrado, a Polícia Civil instaura o inquérito e encaminha o caso ao Ministério Público, que é responsável por apresentar a denúncia para a Justiça, explica a delegada. A lei tornou os crimes contra a dignidade sexual ações penais públicas incondicionadas – ou seja, todos os casos terão de ser investigados e processados pelo Estado mesmo que a vítima não queira.

“É como se nosso legislador passasse a entender que são crimes muito graves e que interessam ao Estado processar independentemente da vontade da vítima”, afirma. Ela lembra ainda que, se houve prisão em flagrante, o agressor não terá a possibilidade de pagar fiança na delegacia para ser liberado e permanecerá detido até a audiência de custódia, em que um juiz decidirá se poderá responder ao processo em liberdade.

Também caberá à Justiça definir que tipo de conduta efetivamente será penalizada como importunação sexual, afirma Machado Souza. “Isso a gente vai descobrir com a aplicação da lei. É uma lei muito aberta. Hoje a gente não tem exatamente quais são os atos que se encaixam ou não. A Jurisprudência vai ter esse papel.”

7. O que a lei alterou em casos de estupro?

Com a nova lei, a pena para o crime de estupro – de 6 a 10 anos – aumenta de um a dois terços se o crime for cometido por duas ou mais pessoas (estupro coletivo) ou se tiver o objetivo de controlar o comportamento sexual ou social da vítima (estupro corretivo). Se for cometido por parente, companheiro ou empregador da vítima, a pena é aumentada pela metade. A legislação também prevê punição 1 a 5 anos para quem divulga cena de estupro, sexo ou nudez sem o consentimento da vítima. A pena chega a oito anos caso se trate de ‘revenge porn’, em que o autor é alguém com quem a vítima manteve relação íntima e fez a divulgação com objetivo de se vingar.

Por Leda Antunes, especial para o HuffPost Brasil.

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