Cármen Lúcia diz sofrer preconceito por ser mulher e pede Constituição em defesa das minorias

12 de novembro, 2018

Em seminário no Rio, magistrada afirma que é importante discutir o tema no Brasil: ‘O Direito não resolve’

(Estadão.com, 12/11/2018 – acesse no site de origem)

A ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia falou nesta segunda-feira, 12, no Rio, sobre preconceito que sofreu ao longo da vida e carreira na área jurídica por ser mulher. “O preconceito continua e o Direito não resolve. O que resolve é a sociedade sabendo do preconceito e sabendo como lidar com ele”, afirmou, em seminário na Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Preconceito prevalece entre minorias; sofro preconceito por ser mulher”, afirmou.

Na opinião de Cármen Lúcia, uma das principais desigualdades no Brasil é a “retratada contra a mulher”. Por isso, acredita ser importante a discussão do tema. “Essa é uma construção social da qual estamos distantes. Não é com tempo que chegamos lá. É com esforço de cada brasileiro. Não entrego a responsabilidade à sociedade por isso. Muitas vezes, nos acanhamos”, afirmou.
Ela ainda lembrou que, como presidente do STF, visitou penitenciárias e verificou que a situação das mulheres é muito mais difícil nesses casos do que a dos homens. “A fila de visita a mulheres não tem quase ninguém porque muitas vezes os chefes daquelas famílias proíbem até mesmo as mães de visitarem as filhas. Que sociedade teremos com essa falta de olhar? Que sociedade queremos ter para que a gente mude?”, disse, ao acrescentar que o Direito tem que garantir às mulheres “que elas sejam o que querem”.

Cármen Lúcia ainda disse que os homens fazem as mulheres felizes, mas também dão muitas tristezas. “Eu adoro os homens. Que declaração infeliz… Gosto do ser humano em geral. Homens e mulheres podem se fazer felizes”, acrescentou, ao ser perguntada por uma integrante da plateia sobre “dependência afetiva” das mulheres em relação aos homens.

Ela ainda acrescentou que as minorias não estão em risco porque acredita que o direito à igualdade previsto na Constituição será respeitado no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). “Eu não tenho posicionamento partidário para me posicionar politicamente. Como juíza e professora de Direito Constitucional, todas as pesquisas, tudo que eu vivo e as pessoas com quem convivo são (comprovam) que há sim preconceito, há direitos conquistados que a gente precisa fazer valer, permanentemente. O que digo é apenas que a Constituição há de ser aplicada”, afirmou.

A ministra disse não ser “boba” para não saber que há preconceito contra ela. “Há (preconceito) por ser juíza? Sim. Por ter chegado a uma determinada situação? Às vezes, muito mais. Mas eu não sou nem um pouco cega para não ver que em outros lugares em que mulheres que tiveram muito menos oportunidade também houve muito maior preconceito e que, muitas vezes, acontece isso porque as mulheres não reagem, até por conveniência”, disse.

Ao ser perguntada sobre a ausência de representatividade feminina no futuro governo de Bolsonaro, ela respondeu que “só o próprio titular da equipe é capaz de dizer isso”. Ela ainda negou que as minorias estejam em risco, porque a Constituição “está valendo e prevalecendo”

Durante a campanha, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, foi criticado por ter dado, ao longo dos mandatos como deputado federal, declarações polêmicas sobre mulheres, negros e homossexuais. O futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, afirmou em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, não ver em Bolsonaro traços de preconceito contra esses grupos.

Na palestra, a ex-presidente do STF ainda defendeu a ampla transparência das atividades dos membros de instituições democráticas, sem informar, no entanto, a quais se referia. “O Brasil tem situação em que engole elefante e engasga com a formiga. O Brasil consegue ter um tribunal constitucional que julga em público. Isso não é de menor importância. Quisera eu que essa mesma discussão democrática estivesse em todas as instâncias democráticas no Brasil. Seria positivo para as minorias”, disse.

Por Fernanda Nunes, O Estado de S.Paulo 

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