Atriz agredida por ex-diplomata: ‘Que medida protetiva é essa que ninguém me protege?’

21 de novembro, 2018

Cristiane Machado reclama que se sente prisioneira, enquanto ex-marido está solto

(O Globo, 21/11/2018 – acesse no site de origem)

A atriz Cristiane Machado, de 35 anos, vítima de agressões em série do marido, o ex-diplomata Sérgio Schiller Thompson-Flores, reclamou que está se sentindo prisioneira, com medo de ser agredida novamente ou até morta. Seu ex-marido, que está foragido da Justiça após sua prisão preventiva ter sido decretada por tentativa de feminicídio, em 31 de outubro, continua solto. Segundo ela, no dia 4 de novembro, quando a decretação da prisão preventiva de Thompson-Flores entrou no sistema da Justiça, ela recebeu cinco mensagens dele pelo WhatsApp que foram rapidamente apagadas. Ela acha que foi um recado do agressor dizendo que está por perto.

– Na terça-feira, ele enviou uma mensagem pelo WhatsApp da minha mãe, mas também apagou rapidamente. Nem minha mãe nem eu conseguimos ver a tempo o conteúdo das mensagens. Mas parece um recado de que ele está vigiando a gente. O Sérgio acessa Facebook e WhatsAPP naturalmente, como eu e qualquer outra pessoa acessa. Eu não consigo entender como um foragido da polícia desde 31 de outubro acessa as redes sociais, se comunica com pessoas ao redor, e nada acontece, ninguém consegue capturá-lo. Eu acho muito estranho. Hoje (quarta-feira), por exemplo, agora, ele está online no Facebook há uma hora – disse ela mostrando o Facebook do marido pelo celular.

Cristiane Machado lembra que teve dificuldades em dar prosseguimento ao processo contra o marido, contra quem já entrou com uma ação de divórcio litigioso. Segundo ela, a primeira denúncia de agresão foi feita após uma noite violenta entre os dias 4 e 5 de março deste ano. O registro foi feito na 15ª DP (Gávea). E ela foi acompanhada pelo Núcleo de Atendimento à Mulher da Defensoria Pública.

– O meu marido até então recebeu (decretação de) prisão preventiva no dia 31 de outubro, e até agora não conseguiram capturá-lo. Existe uma morosidade muito grande no sistema desde o momento em que você faz a denúncia. Por exemplo, a minha primeira denúncia aconteceu no dia 4 de março de 2018. Eu fui ter audiência na Justiça no dia 8 de agosto. Muito tempo. Se uma mulher está em estado de perigo, muita coisa pode acontecer com ela. Pode não estar viva amanhã, e a gente se sente muito prejudicada, com medo, coagida. se você sair na rua, quem vai te proteger? – questiona.

O 5º Juizado de Violência Doméstica impôs medidas protetivas para Cristiane Macedo. Thompson-Flores não podia entrar na residência onde ela estava e nem se aproximar dela. Deveria ficar a uma distância de pelo menos 200 metros. Mas a decisão foi descumprida. Cristiane foi novamente agredida e, desta vez, entre os golpes, um que lhe causou uma perfuração no tímpano do ouvido direito.

– Que medida protetiva é essa que ninguém te protege? Então, eu hoje me sinto uma prisioneira, e ele está solto. A Justiça precisa que, não só pela Lei Maria da Penha, o sistema funcione de uma forma muito mais efetiva e séria. Por que isso evitaria muitos casos de morte, muitos. Com certeza, a agilidade desde a delegacia até a Justiça deveria ser muito maior – criticou Cristiane, lembrando o caso do assassinato a facadas de Fernanda Siqueira pelo ex-marido Vanclécio Cordeiro, ocorrido no domingo. O assassino acabou sendo preso pelos parentes da vítima nesta terça-feira.

Mudança de rotina por medo

Ela diz achar ainda que por várias razões mulheres deixam de denunciar agressões de seus parceiros.

– Eu acho que é por isso que muitas mulheres, e estou me incluindo nisso, têm medo de denunciar. Quem é que vai me proteger? A medida protetiva não basta. Tem que reformular todo o sistema, desde a delegacia, o recebimento (da denúncia). Eu levei, por exemplo, quase cinco horas para conseguir abrir um boletim de ocorrência, que não foi muito bem feito na Delegacia de Mulher (Deam), que é uma delegacia preparada justamente para isso, receber mulheres. Eu levei quase cinco horas. E minha audiência ainda não foi marcada, nada foi marcado nesse segundo (depoimento). É muito tempo, muita coisa pode acontecer. Muitas vidas podem ser salvas se isso mudar, se esse sistema mudar – desabafou.

Cristiane disse ainda que precisou mudar seus hábitos para não ser pega de surpresa pelo agressor:

– Eu estou totalmente coagida, mudei os meus hábitos, estou com medo de sair na rua, fico olhando o tempo inteiro. O medo é a minha palavra. Eu não consigo nem dormir direito. Fico olhando as câmeras externas da casa o tempo inteiro. Por exemplo, hoje eu dormi uma hora. Eu não quero viver minha vida assim. Será que eu vou estar fadada porque eu fiz uma denúncia contra uma pessoa, seja ela poderosa ou não, com influência ou não, com dinheiro ou não, e eu sou a prisioneira? Esse tipo de crime acontece em todas as classes sociais, em todas as etnias, e é muito difícil para uma mulher enfrentar e contar a sua história. Eu tive vergonha – relatou.

A delegada titular da Delegacia de Atendimento à Mulher do Centro, Débora Rodrigues disse que pretende abrir uma sindicância para averiguar a demora no atendimento à Cristiane Machado. Ela disse que isso não é comum, e que mulheres em situações de violência devem ser bem tratadas e terem prioridade no atendimento.

– Vou abrir uma sindicância para apurar esse fato. Tenho desconhecimento do dia que alguém me esperou cinco horas. E isso não pode. o atendimento à vítima de violência doméstica tem que ser um atendimento rápido, até porque ela tem que ser bem tratada, com cordialidade. A gente tem que dar uma boa recepção, porque senão ela nunca mais volta à delegacia se ela não for bem acolhida. Isso não faz parte do nosso procedimento. Temos no Rio o projeto Violeta, em que a gente envia por e-mail as medidas protetivas e em duas horas a gente já sabe se a Justiça deferiu ou indeferiu – disse a delegada.

O Tribunal de Justiça não se pronunciou alegando que processo está sob segredo de Justiça. Já a Defensoria Pública afirmou que assistiu Cristiane no dia 6 de março de 2018, e que as medidas, dentre as quais o afastamento do lar e a proibição do réu de aproximar-se da vítima, foram concedidas pelo juizado naquele mesmo dia.

“As medidas protetivas deferidas foram renovadas pelo 5º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a pedido da Defensoria Pública, e ainda se encontram em vigor. No dia 25 de abril de 2018, o Ministério Público do Rio de Janeiro ofereceu denúncia contra Sergio Silveira Thompson-Flores dando início à ação penal para apurar os fatos que fundamentaram o pedido de medidas protetivas, quando a autora denunciou as agressões. Na ocasião, o réu fora solto após pagar fiança”, diz a nota da Defensoria, que afirmou ainda que não atuou na ação penal, uma vez que a atriz “havia constituído advogados para representá-la neste processo”.

“A 5ª Vara de Violência Doméstica recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público, apensou a ação penal ao processo que trata especificamente das medidas protetivas e designou audiência para o dia 08 de agosto de 2018. A audiência agendada para o dia 8 de agosto de 2018 refere-se, portanto, ao processo criminal, do qual a Defensoria Pública não atuou na defesa dos interesses da vítima”, diz.

Por Gustavo Goulart

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