‘Se exigir provas físicas, você sempre vai ter impunidade do abusador’, afirma promotora sobre caso João de Deus

08 de dezembro, 2018

Juristas rebatem argumentos apresentados pela assessoria do médium, acusado de abuso sexual por 12 mulheres

(O Globo, 08/12/2018 – acesse no site de origem)

Acusado de abuso sexual por 12 mulheres, João Teixeira de Faria, médium conhecido como João de Deus, enviou respostas ao GLOBO através de sua assessoria. No texto, as denúncias são chamadas de “fantasiosas” e ele pede provas. A promotora de Justiça Silvia Chakian, Coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em São Paulo, e duas advogadas especializadas em defesa da mulher contestam esse argumento e outros levantados pelo médium. Todas elas reforçam que, em caso de abuso, o primeiro passo é procurar uma Delegacia da Mulher ou um Centro de Referência da Mulher.

Parte das vítimas contatadas pelo GLOBO contaram terem conversado com advogados antes de procurar a imprensa para fazer a denúncia. Duas delas afirmam terem sido desencorajadas.

A promotora Silvia Chakian afirma que o caso de João de Deus, “assim como o de Roger Abdelmassih”, médico condenado por 56 estupros de de pacientes mulheres, “mostra como uma mulher relatando sozinha não é sequer ouvida”.

— Um desencorajamento desses leva aos outros. Aí você tem um ciclo vicioso onde esse sujeito se vale do silêncio e da impunidade. Só quando várias se unem e a imprensa apoia, só então a sociedade valoriza suas palavras. Por que isso? E por que as mulheres são mais desacreditadas que os homens?

A procuradora ainda questiona:

— Numa cidade em que a economia e o comércio giram em torno desse centro, a quem interessa manter essas denúncias ocultas?

Provas físicas

“Para que uma situação se caracterizasse como criminosa, a parte lesada teria que demonstrar a materialidade do ocorrido”, escreveu a assessoria de João de Deus, em e-mail enviado ao GLOBO. Segundo as especialistas, não é necessário apresentar provas físicas.

— Desencorajar uma mulher a denunciar por falta de provas é de uma perversidade sem tamanho — afirma a promotora Silvia Chakian. — O crime sexual em sua natureza não deixa vestígio. Então que provas estão exigindo dessas mulheres? Se exigir provas físicas, você sempre vai ter impunidade, e isso é de conhecimento do abusador .

A advogada Alice Bianchini, presidente da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas, explica que, assim como em inúmeros casos de violência doméstica, crimes de abuso sexual acontecem em ambientes fechados onde apenas se encontram a vítima e o algoz, como relatam as mulheres que acusam João de Deus. Nesses casos, explica Bianchini, o que se tem é a voz da vítima contra a do réu, por isso é importante que, quando possível, as vítimas denunciem juntas.

— Quando uma fala, depois outra, depois outra, começam a haver robustez de indícios. Uma funciona dando força para a outras. Por isso é importante que uma mesma investigação análise todos os casos.

Acusações de vingança
“Uma vez que está sendo atingido a honra e imagem de uma pessoa pública conhecida mundialmente, e muito respeitada, pergunto o que as motiva?”, argumentou ainda a assessoria de imprensa de João de Deus em e-mail enviado ao GLOBO.

— Existe uma visão preconceituosa de que as mulheres usam a lei com objetivo de vinganca e de ganhos patrimoniais — afirma a promotora Chakian. — Isso não reflete a realidade, que é de subnotificação dos casos.

O tempo para denunciar

“Pergunto novamente, por que não procuraram a delegacia ou o Ministério Público, e se não o fizeram, qual a razão desta omissão?”, escreve a assessoria de João de Deus.

— Há questões que precisam ser elaboradas, como a sensação de culpa, o adoecimento da vítima, que muitas vezes não tem condições de denunciar . Sofrimento psicológico é adoecimento — diz a advogada Laurindo, especializada em atendimentos a mulheres vítimas de violência.

Ela explica que até a última alteração no Código Penal, feita em setembro, as vítimas de estupro tinham até seis meses para abrir denúncias contra seus algozes. Isso fazia com que muitas vítimas perdessem o prazo porque ainda estavam trabalhando a saúde psicológica, afetada pela violência sofrida. Casos do 24 de setembro em diante, no entanto, não dependem mais desse prazo.

— A nova lei olha para as questões de saúde, porque a questão do abuso está ligada à questão de saúde. Então esse prazo de seis meses não serve mais para essas coisas. Há a possibilidade sim da pessoa fazer a denúncia depois desses seis meses.

Para casos anteriores à alteração legal, o que engloba as 12 acusações feitas contra João de Deus, é necessário analisar se as mulheres estavam em situação de vulnerabilidade, explica a promotora Silvia Chakian.

— Em caso de vulnerabilidade, a ação não tinha prazo mesmo antes da alteração recente. O que tem que ser analisado no caso dessas mulheres é a condição de vulnerabilidade, que inclusive conta com efeitos de substâncias, como remédios .

Ao frequentarem a Casa de Dom Inácio de Loyola, todas as mulheres receberam a indicação de tomar pílulas de passiflora que são encapsuladas no laboratório localizado dentro do terreno do hospital espiritual.

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